Surgiu um novo deus! Todos O querem e amam, quase todos (sempre há os hereges) a Ele se curvam, andam com Ele sobre o coração, ou ao menos ao alcance da mão.
Sempre respondem quando Ele chama, pedem licença e cessam conversas, param seja o que for que estiverem fazendo, deixam esfriar comida, derreter sorvete, jogam nenê pela janela para falar com Ele, como quem proclama: Nada importa mais que um chamado de Deus!
É um Deus, claro, onipresente, arquiteto de redes de antenas e satélites, mas também é pequeno e portátil, portanto em qualquer lugar e a qualquer momento pode te chamar, e Oi, dirá você, e teu Deus te perguntará: pode falar?
Claro, dirá você, pois quem seria você, apenas mais um reles ser vivo, se se negasse a esse Deus, que te faz sentir-se conectado com o mundo, sujeito mais que biológico, mais que espiritual, ser cibernético, pois esse Deus te dá um órgão eletrônico, que, além de falar, fotografa e filma, e envia mensagens para os confins do planeta, embora também seja Deus que manda a conta pontualmente e infalivelmente, e te excluirá com silêncio infernal se você não pagar.
Mesmo quem não tem o que dizer, quer falar ao novo Deus, a ele revelar os sentimentos mais íntimos, e as fofocas mais banais comunicar, como se com o novo Deus a gente renascesse numa missa ou quermesse de palavras urgentes e pungentes, pois esse Deus torna tudo que falamos importante.
Os últimos ditadores levam esse Deus no bolso do coração, e os primeiros mendigos que chegaram a ter também seu Deus, quem diria, quiseram voltar a trabalhar para, ora, comprar bateria, pois é um Deus movido a bateria.
Ao contrário dos deuses das religiões antigas ou modernas, todos deuses conservadores, é um Deus passível de ser atualizado, possivelmente é monitorado, eventualmente pode ser clonado, mas como Deus continua a reinar nos corações enquanto os corações forem movidos a ansiedade.
O novo Deus é poderoso mas flexível, a gente pode desligar nas férias, embora sentindo remorso, ausência e vazio.
Se ele existisse na Segunda Guerra, Hitler poderia ter dado ordens mais rápido, e assim seria mais rapidamente derrotado.
Churchill decerto não o usaria, mas daria de presente aos detratores e intriguentos, devidamente monitorados.
Roosevelt levaria seu Deus embutido na cadeira de rodas, mas só atenderia em caso de hecatombe nuclear.
De Gaulle jamais recorreria a esse Deus: para que, se ele já era um sabe-tudo?
Por isso Lula tem o seu, para ter uma chance de saber das coisas.
Você tem o seu. Ele pulsa, você pula.
Ela tem o dela. Ele toca, sebo nas canelas.
Quase todos têm o seu. Olhe a multidão curvada no salão da rodoviária, do aeroporto. Estão todos e cada um falando com seu Deus.
No escuro do cinema, um clarão, alguém acha seu Deus mais atraente que qualquer cena de ação ou de amor.
Deus é Deus, o resto é silêncio. Ou cartão para orelhões que nem funcionam mais.
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