Ao saber que saiu Toda Poesia, de Leminski, soltei um de seus suspiros tão fundos e fortes que levantavam os bigodes. Finalmente ele poderá ter todos seus poemas conhecidos por quantos queiram saber porque o polaco de Curitiba se tornou sinônimo de poeta.
Outro conhecido poeta, que vê o polaco como rival na posição de "maior poeta da geração" (como se o mundo da poesia não fosse um continente, mas uma montanha com um pico para apenas um), me falou que a poesia de Leminski é "mistura pobre de pop com cult".
É uma definição certeira, apenas alterando uma palavra: "mistura nobre de pop com cult".
Por pop entenda-se não só a fala popular, coloquial, da poesia de Leminski, mas também seu romantismo, sua irônica egolatria, seu debochado martirismo. Pois o povo é romântico, adora idolatrar, vendo-se nos ídolos, como gosta de sublimar o sofrimento, drible emocional para superar as dores.
Leminski resumiu isso nos versos "não me toquem nessa dor, ela é tudo que me sobra./ Sofrer vai ser/ a minha última obra".
Nos últimos tempos eu não aguentava mais encontrar o polaco, para não ver como se matava, no entanto, coerente com sua visão romântica de mártir poético, aprisionado pelo álcool, mas visando a uma ressurreição artística.
Bem, polaco, funcionou. Aquele teu "rival" está se torcendo de inveja.
Agora me deixe contar uma historinha que vai te fazer soltar aquela risada meio escondida para não mostrar os dentes que nunca foram a dentista, como você se orgulhava de nunca ter ido a médico ("Fiz um trato com meu corpo./ Nunca fique doente./ Quando você quiser morrer,/ eu deixo").
Peguei La Vie en Close para folhear saudosamente, eis que descubro roído por traças, que cavaram veios fundos livro adentro.
Esses veios, quando folheio, formam desenhos simétricos nas páginas esquerda e direita. Aqui formam uma flor, que páginas adiante se transforma num molusco, que depois vira uma árvore...
Passei em revista todas as centenas de livros da biblioteca, verificando que era o único atacado pelas traças, e ia jogar o livro no lixo, quando me dei conta de que elas fizeram nele um poema mutante, que pode ser chamado de Transformação.
Como você se transformou, você não se mata mais, você se tornou permanente, polaco.
Com direito até a poema póstumo. Ou, conforme você: "tão doce, tão cedo/ tão já/ tudo de novo vira começo".
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