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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

O fá de Pelé diz que nunca vai haver jogador melhor, mas o fã de Garrincha diz que já houve:

– O Pelé fez mais de mil gols, o Garrincha fez muito menos mas armou muitos ataques para outros fazerem gols, além de infernizar os zagueiros e desmontar as defesas.

O fã de Pelé sorri superior:

– Pelé também armou muito ataque, e o futebol se divide em antes e depois de Pelé. Ele até criou técnicas de jogo, usando todas as partes do pé, inventando a paradinha e...

O fã de Garrincha se encrespa:

– Mas Garrincha marcou sete gols olímpicos registrados pela Fifa, sem contar os não registrados. Até hoje, o único a marcar dois gols olímpicos num jogo!

– Graças ao vento, né... Mas o Pelé também era oportunista, marcou gol roubando bola até de goleiro. Já o Garrincha não roubava bola de ninguém, porque não marcava ninguém.

– Também ninguém roubava a bola dele... Mas foi quem inventou a bola chutada fora para adversário contundido ser atendido. E nunca quebrou a perna de ninguém, como fez o Pelé. A falta mais violena do Garrincha foi chutar a bunda de um zagueiro depois de receber muita pancada.

– Pois é, quem não marca não faz falta mesmo... Mas o Pelé armava e desarmava, atacava e defendia, e até no gol jogou num dia em que os dois goleiros do Santos foram contundidos.

O fã de Garrincha fica mordendo os lábios, até falar irritado:

– O que o Garrincha não tinha mesmo, e o Pelé tem de sobra, é talento para auto-promoção! Aliás, Garrincha era quase um aleijado, um exemplo de superação, um operário pobre que chegou aonde chegou.

– É, chegou a um fim de carreira triste, alcoólatra, desfilando sentado, inchado e abobalhado num carnaval, homenageado pela escola de samba mas parecendo a própria imagem da decadência. Enquanto isso, o Pelé levava e leva uma boa imagem do Brasil para o mundo. E também começou pobre, foi engraxate, mas nunca deixou a fama subir à cabeça, morou na pensão dos jogadores solteiros do Santos até casar, mesmo já famoso e rico.

O fã de Garrincha rebate:

– É, o Pelé é mestre em relações públicas. Mas e a filha que ele renegou?

O fã de Pelé ri.

– E o Garrincha? Fez filho até na Suécia, e deixou sete filhas para se casar com uma cantora!

– Melhor do que dar vexame como cantor, como fez o Pelé.

– Que tem um filho drogado!

– Mas não vai morrer de cirrose como o Garrincha...

Os dois se calam, pensando em novos golpes, aí alguém diz que ninguém é perfeito, Garrincha tinha suas qualidades e seus defeitos, como Pelé tem.

– Se a gente pudesse juntar só as qualidades dos dois num jogador, seria o Pelincha, ou o Garrinché, né... O próprio nome já seria feio... E não ia dar certo, porque ele receberia a bola de um zagueiro, antes do meio do campo, como fazia o Pelé, daí botaria o pé em cima da bola, como fazia o Garrincha, e ficaria esperando os marcadores. Ia ser massacrado.

Os dois fãs ficam pensando, acabam concordando entre resmungos, é, pois é, é isso aí.

– Nunca mais vai nascer alguém como o Pelé nem como o Garrincha, nem como eu nem como qualquer Zé Ninguém.

É verdade, concordam os dois fãs, e voltam a olhar a tevê: enquanto discutiam, estavam perdendo o jogo.

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