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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Cuidona faz aniversário e Patinho pensa que presente dar:

– Não pode ser utensílio, ou ela pode pensar que pensamos nela só como extensão doméstica.

(Entenda, leitor: “Cuidona” vem de “cuidadora doméstica”, em vez da ultrapassada “empregada”. Ela é pontual que só: às nove está na casa, para cuidar de tudo até as três da tarde; sim, só seis horas de serviço; os tempos mudaram. E Patinho e Patinha são os antigos “patrão” e “patroa”, agora “contratadores de serviços domésticos”, conforme a lei.)

– Também não pode ser roupa – diz Patinha – porque roupa é escolha pessoal. Vamos dar a ela um jantar!

– Em pizzaria ou restaurante?

– Aqui! Nós dois fazendo e servindo jantar para ela que todo dia faz nosso almoço!

– E vamos fazer o quê? Comida como ela faz todo dia, vai parecer só mais um dia na vida. E se for, por exemplo, filé ou camarão, pode ser como um tapa: come aí o que comemos no jantar, depois do seu almocinho trivial!...

– Então vamos dar – Patinha se ilumina – um bolo!

– Pra ela lembrar que faz bolo tão ruim que nem formiga come?

(Na verdade, o contrato de Cuidona é só para fazer almoço e lavar a louça, sobremesa acresceria 15% de salário, aliás “pro-colabore” conforme a lei.)

– Mas já sei! – continua Patinho – Vamos dar uma viagem!

– Pra onde e por que? Ela só vai à cidadezinha vizinha visitar a mãe e volta no mesmo dia, detesta viajar e adora segurança.

– Então você matou a charada! – Patinho exulta – Vamos dar um guarda-chuva, mas não chinês e sim alemão ou inglês, daqueles de passar de mãe pra filha!

– Mas ela não tem filhos, nem é casada aos 76 anos.

– É, esqueci. Onde é que a gente estava mesmo?

(Estamos em 2047, Patinho tem apenas 94 anos, mas já começa a alzamar.)

Patinha deixa o tempo passar, o mosquito passear (será de dengue?). A mosca pousa numa flor de plástico e então ela sussurra:

– Orquídea! Vamos dar uma orquídea!

Patinho sorri olhando longe:

– Não será mais chique eu dar dúzia de rosas vermelhas e você, outra dúzia de rosas brancas?

– Rosas morrerão. Mas a orquídea vai continuar viva e, ano que vem, no mesmo mês, vai florir de novo e...

– ...ela vai lembrar de nós!

Ficam se olhando como no fim de capítulo de telenovela; até que, depois de um suspiro mal engolido, falam juntos:

– Mas o presente tem de ser para ela, não para nós...

(Cena final. O casal dorme nos sofás da sala atulhados de papéis com anotações, quando chega Cuidona:)

– Nossa! Que desacato! Vou acionar o sindicato!

Fica piscando, tentando lembrar como era mesmo que se chamava o sindicato.

(Deus diretamente, o próprio, puxa as cortinas ou corta a cena. Mas o Diabo pede recall e diz que não é bem assim, eles podem simplesmente dar o presente em dinheiro! Os anjos ficam discutindo se dinheiro é invenção do Diabo ou de Deus. Fecham-se as cortinas ou deleta-se a cena, enquanto a mosca esfrega as patinhas.)

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