Rotina é a ditadura mais ferina e que mais perdura. Mas como viver sem rotina? Já pensou se, ao acordar, tivéssemos que resolver lavar o rosto e botar roupa? São as primeiras coisas que fazemos automaticamente, guiados pela rotina; mas experimente respirar antes de levantar!

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Respirar conscientemente, respirar com prazer, respirar não só com os pulmões mas com a alma, respirar como quem deve tudo ao ar! Lembre do poema de Neruda: "Ah, ar / continue gratuito. / Que não se entubem / não te tributem com tarifas / como fizeram com a água / não te vendam em comprimidos / não te loteiem como fizeram com a terra".

Respire pela barriga, deixando que suba e desça, como um fole, como fazem os nenês.

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Espreguice como fazem os cachorros e as vacas, esticando-se, sentindo o coração no centro dessa maravilhosa articulação de ossos e nervos e músculos.

Depois passe a língua pelos lábios, antegozando lavar a boca.

Na concha das mãos, olhe a água antes de jogar no rosto, essas três maravilhas, a água encanada e tuas mãos em concha, gesto que nem os macacos conseguem, símbolo de humanidade que, de tão rotineiro, nem percebemos.

Continue a seqüência de descobertas, ao girar o botão do gás e ver o fogo, tão maravilhosamente fácil que também nem percebemos. Se fosse conseguido à custa de bater pedras ou esfregar paus, perceberíamos muito bem, antes de botar a leiteira ou a chaleira por cima dele, olhe bem, suas línguas azuis em círculo perfeito, símbolo de indústria, outra exclusividade humana.

Abra a geladeira, essa companheira que trabalha roncando, e do seu permanente e pequeno inverno retire o que precisa, lembrando que há apenas meio século nossos avós tinham guarda-comidas com telas de arame contra os insetos, onde ficavam os alimentos que o fogão a lenha cozinhava fumaçando.

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Toca o telefone, atenda só depois de pensar que, no tempo dos nossos pais, um interurbano demorava horas ou até dias, telefone era um luxo de poucas casas, os aparelhos negros e pesados como corvos agourentos, pois só se telefonava para negócios ou más notícias.

E agora, depois que redescobriu e valorizou tantas coisas aparentemente pequenas, faça uma grande coisa. Tome café no terraço, ou leve café na cama para a pessoa com quem você dormiu. Se ela estranhar, diga que você pegou o vírus da anti-rotinite.

Em vez de pegar o carro, pegue um ônibus. Se sempre pega ônibus, mude de ponto. Desça um ponto antes, ande um pouco fora dos trilhos da Linha Tododia Limitada.

Em vez de apenas cumprimentar o porteiro, converse com ele. Pode ser que ele diga, casualmente, a solução daquele problema que te atormenta, ou simplesmente se revele uma pessoa interessante.

Em vez de começar a trabalhar imediatamente, pense um pouco o que e como pode melhorar o trabalho. Por que há de ser sempre o mesmo trabalho do mesmo jeito? Einstein teve o primeiro vislumbre da Teoria da Relatividade quando, indo para o trabalho, ainda moço em Viena, sentou de lado no bonde, em vez de sentar como todos olhando para a frente. Então viu que, conforme o bonde aumentava a velocidade, o casario passando se borrava, e, quando o bonde ralentava a velocidade, as casas de novo se tornavam nítidas. Aí ele pensou que a nitidez era relativa a velocidade e...

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Se Henry Ford quisesse ser mais um produtor de carros, faria como faziam todos, por encomenda, cobrando caro e depois esperando nova encomenda. Mas ele preferiu fazer carros em série, barateando o custo, mas viu que as vendas demorariam, pois as pessoas ainda achavam que carros eram só para milionários. Então vendeu carros a prazo para os próprios operários, inaugurando o crédito comercial popular junto com a linha de montagem, e ainda garantindo assistência técnica e peças a preços razoáveis, em vez de preços chantagistas como faziam os outros. Tornou-se milionário, saindo da rotina, servindo e valorizando gente.

Todos temos riquezas que mal percebemos, maravilhas que usamos sem notar, oportunidades que nem vemos porque estamos preocupados com... a rotina, fazer como todos fazem, seguir a boiada!

Acorde, sussurre: "eu vou te quebrar, rotina", e comece, senão vida nova, ao menos a graça de novos momentos.