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– Mãe, a senhora come frango cinco vezes por semana e não "anjoa", né?

– Acho que não enjoo porque lembro da minha mãe, que criava galinha solta no quintal, jogando pra elas arroz sobrado do almoço, o chão ficava todo pintadinho de branco, aí as galinhas vinham correndo com os pintinhos, num instante a terra ficava só vermelha de novo... Ela fazia com a boca chichiu-chichiu, a galinhada vinha. De vez em quando também jogava milho pros frangos que ficavam presos num cercado de arame fino, ciscando a terra o dia inteiro, por isso a carne daqueles frangos era muito mais gostosa que dos frangos de hoje. Eu só não gostava de ver os frangos destroncados se debatendo no chão, que naquele tempo só assim se matava frango, puxando o pescoço pra destroncar. Minha mãe, sua avó, era tão magrinha, não sei como é que conseguia. Acho que dava nela a força de saber que tinha oito filhos, dez bocas pra comer cada frango. Até a cabeça e os pés eram aproveitados pra dar gosto na canja. Deve ser por isso que até hoje gosto tanto de frango.

– E pamonha, mãe, por que a senhora gosta tanto que toda semana pede?

– Acho que não enjoo de pamonha também por causa da saudade. Lembro do pai chegando com sacos cheios de milho-verde, ele era chefe de turma da empresa elétrica, iam estender linha de postes nas fazendas, nas vilas, e tinha milharal por todo lado, porque naquele tempo morava muita gente na roça, cuidando do café, e comiam muito porco, então plantavam muito milho pra dar pros porcos e pras vacas de leite. Aí o pai catava milho, e a mãe chamava as filhas e os filhos todos, da moça ao gurizinho, todo mundo despalhando milho, descabelando as espigas, que ela ia ralando com as filhas mais velhas, naqueles raladores feitos de folhas de latas de vinte litros furadinhas com pregos. O caldo ia enchendo o tacho de cobre, aí ela cortava palhas com o tesourão, fazia as capas pras pamonhas, com uma ligeireza que eu não cansava de ficar olhando, e amarrava cada pamonha com o barbante, botava pra ferver no caldeirão tão grande que era da altura do irmãozinho menor. Quando as pamonhas ficavam cozidas, escorriam na peneira sobre uma bacia, aquele mormacinho saindo, a gente esperando pra comer, até que parava de mormaçar e ela falava pronto, podem pegar, a gente avançava naquela peneira, lambuzando até os cabelos de tanto comer pamonha. Melhor que pamonha pra gente naquele tempo, só mesmo torresmo.

– Torresmo, mãe? Não fazia mal?

– Se torresmo fizesse mal, todo o povo daquele tempo tinha morrido, o que faz mal é comer sem trabalhar! E comer comida que já vem mastigada, essas comidas em lata, em pacote, tudo parece que já vem mastigado. Boca precisa morder, dente precisa mastigar pro intestino funcionar! Ah, como era bom o torresmo com o couro pururuca, o toucinho sequinho e umas raspas de carne nos pedaços, misturados com almeirão cortado grosso e temperado com limão. A gente comia com polenta, que a mãe fazia na panelona, despejava na tábua e cortava com linha. Melhor que polenta com torresmo só polenta com frango ensopado ou com rabada.

– Mas rabada tem pouca carne, né, mãe?

– Que nada, bem feitinha a carne desmancha de tão mole, a gente chupava os ossos. Carne com osso é mais gostosa, costela, ponta de peito, bisteca, rabo. Que gosto tem filé? Só tem moleza! O povo de hoje gosta de moleza, mas carne com osso é que é gostosa, só que dá mais trabalho... A mãe deixava costela cozinhar com água no panelão de ferro, com fogo de lenha, até a água quase secar, aí jogava cebola e alho, mexia até virar costela com molho, depois despejava mandioca, virava vaca-atolada, que saudade de vaca atolada com repolho cozido!

– Pois é, os médicos dizem que repolho é um santo alimento.

– Deve ser, porque a gente comia repolho cozido, cru, fatiado, em folha, no picadinho, na sopa, no arroz, naquele tempo não tinha tanta variedade de legume, repolho era o rei!

– Li até que o Império Romano se estendeu graças ao repolho, mãe, que as legiões do exército levavam conservado em barricas, e com isso os soldados não tinham as doenças de falta de vitaminas que todos os outros exércitos sofriam. Conquistaram o mundo com repolho.

– Pois é, a gente não sabia disso nem precisava saber, porque não queria conquistar nada, só queria comer. Outra coisa boa era gemada, a mãe batia o ovo com garfo no copo, até espumar, misturando mel com canela e leite quente, e, se a gente tava gripado, uma colherinha de conhaque, ah, levantava o doente! E cural então, como era bom! Bolo de milho! Paçoca no pilão! Se saudade matasse... Ih, e agora me deu vontade de lamber casca de pamonha, que nem quando era menina! Tem saudade ruim e tem saudade boa, né?

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