Quando tudo parece pior, aparece jeito de melhorar. Visitei Itaipu na construção, 40 mil homens trabalhando, um formigueiro assustador. Depois visitei novamente, sentindo o que Itaipu produz além de energia, o orgulho de ser brasileiro.
Agora, fui visitar de novo, com a consciência aguçada pela crise ambiental, pronto para encontrar defeitos na obra monumental e seu modelo energético, certo de que orgulho é sentimento enganoso. Mas o carro enguiçou no caminho e, enquanto era consertado, fui esperar num bar beira-de-estrada.
Para confirmar minhas suspeitas, perguntei a um sitiante de botinas e boné:
Itaipu é grande, mas também gera problemas grandes, né?
O homem me olhou com os olhos estreitando e soltou:
Grande, meu filho, é o futuro quando a gente planta certo! Quando a represa inundou metade da minha terra, eu odiei essa usina! Mas, depois, a metade que ficou mais que dobrou de valor... De novo não gostei quando ficaram me enchendo a cabeça pra eu fazer plantio direto, eu era acostumado com o jeito antigo de plantar, achava bobagem essa história de plantar na palha.
Era um sitiante italiano, falava tanto com as mãos que derrubou uma garrafa.
Eu me atrapalho muito, mas aprendo quando vejo resultado. Um vizinho plantou na palha, a erosão diminuiu barbaridade. Então comprei plantadeira direta, passei a plantar na palha, com vergonha do tempo em que eu queimava palhada de trigo pra plantar, que ignorância! Aí passei a adubar menos, com menos custo, porque não queimava mais a fertilidade da terra, nem precisava mais passar trator pra arar e gradear...
Continuou a falar olhando longe:
Com o tempo, a gente vai mudando, graças a Deus. Quando apareceu gente da usina falando em derrubar a cerca pra consertar o vale, que eles chamam de microbacia, eu quis expulsar do sítio. Acabei concordando porque o padre me pediu, e vi trator fazer aqueles terraços todos, consertar as estradas, e acabaram as enxurradas. O riacho, que avermelhava na chuva, voltou a correr limpo.
Mas o melhor, disse ele, veio depois:
Ensinaram a gente a fazer açude e criar peixe, ganhamos uma renda boa e um trabalho bom pros filhos. Aliás, um filho meu aprendeu jardinagem com gente da usina, só queria falar de planta e da ecologia, falei: isso é bom mas não dá camisa. E não é que deu? Hoje ele tem floricultura na cidade, vai bem que só vendo, ganha mais que o pai...
Continuou com os olhos úmidos:
Outro filho se entusiasmou tanto com essa história da água voltar a ser limpa, que chegou a brigar comigo por eu ainda usar veneno na lavoura. Tanto insistiu que concordei em experimentar o tal controle biológico de pragas, e não é que deu certo? Dá mais trabalho, mas custa muito menos, então a renda é bem maior. E o riacho voltou a ter peixe que só vendo!
O mecânico veio avisar que meu carro estava pronto, mas o italiano continuou falando:
Em todos os vales do lado de cá da represa, plantaram e continuam plantando mata com árvore nativas, aquelas que a gente não via mais e hoje vê muito. Minha mulher tá tocando horta orgânica, só colher saúde e ganha mais. Temos neto menino que fala igual doutor em ecologia. Estão botando na cabeça do povo que a terra não é da gente, é dos nossos netos e dos netos deles, então a gente não pode mais maltratar ela. É a tal consciência, é o remédio pra tudo, na agricultura como na política. Fazendo o certo, no fim das contas só pode dar certo!
Falei a ele que entendo bem isso:
Nasci numa terra onde derrubaram quase todas as matas para plantar, de qualquer jeito, tanto café que a cafeicultura quase acabou por quantidade de problemas. O negócio não é quantidade, é qualidade, né?
Ele concordou:
Até porque, meu filho, o planeta é um só, não é?
Apertei sua mão calejada e, no carro, depois de ouvir um sitiante com consciência planetária, só consegui continuar viagem quando voltei a enxergar bem, não porque estivesse chovendo.
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