Quando leio que mais algum artista morreu de drogas, penso em Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu e Castro Alves, que morreram tão moços porque se drogavam com a ideia romântica de que sofrer é bom, matar-se é nobre, consumir-se é gostoso, martirizar-se é elevar-se além dos comuns mortais. Viveram de modo a contrair tuberculose, a chamada "doença do século" 19, encarando paixões como martírios, imolando-se em boemia doentia, preferindo o manto da noite às janelas do sol.

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Vinicius de Morais, que escreveu "é melhor ser alegre que ser triste", no mesmo "Samba da Bênção" comete os versos "pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza, se não não se faz um samba não". Foi ele quem cunhou a (anti)máxima "poeta pra ser bom tem que sofrer?" Certo é que, mesmo em "Garota de Ipanema" insere os versos "ah, como estou tão sozinho, ah, por que tudo é tão triste?", atendendo ao vírus do romantismo sofredor. Mas Vinicius, na quase totalidade de suas letras e poemas, é um curtidor da vida, embora nem sempre da alegria.

Em "A Felicidade", ele resume: "tristeza não tem fim, felicidade sim". Talvez por isso, em "Minha Namorada", convida a amada para ser "aquela amada pelo amor predestinada / sem a qual a vida é nada / sem a qual se quer morrer. / Você tem de vir comigo / em meu caminho / e talvez o meu caminho / seja triste pra você". Ou seja: amar é também sofrer. Realismo cru ou romantismo cozido?

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Quando Mário Bortolotto foi baleado resistindo bêbado a assalto, lembrei de suas peças, muito embebidas em romantismo sofredor, mesmo que beatnicamente reciclado. A procura de martirismo é própria dos românticos, e a geração beatnik foi/é um suspiro pós-morte do romantismo.

Também Leminski tinha muito disso de cultuar o sofrimento e a dor, o que resume no verso "sofrer vai ser minha última obra", embora sempre com um antídoto humor.

Esse pós-romantismo, infantil nos sentimentos e senil nos pensamentos, mata realisticamente os "filhotes de Bukowski", que cultivam o martírio pelas drogas ou pelo sofrimento, pela tristeza, pela marginalidade cultuada.

Ao mesmo tempo, porém, lembrando da diversidade, a maior característica humana, que seria deles se não fossem assim? É possível imaginar um Leminski certinho, um Castro Alves setentão a compor poemas de paz e amor?

Então a sua imolação acrescenta a suas obras a chama de seu martírio, a nos lembrar que, se deixaram menos do que poderiam se não fossem o que foram, o que deixaram tem a intensidade dos que se jogam no abismo justamente porque é fundo.

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Daí não há como não lembrar do poeta russo Iessienin, que se matou deixando um poema que se tornou cult dos que cultuam o pós-romantismo, e que teria escrito, conforme a lenda, com o próprio sangue dos pulsos cortados, com estes últimos versos: "Se morrer, nesta vida, não é novo / tampouco há novidade em estar vivo".

A isso respondeu seu amigo Maikovski (que, no entanto, depois também se suicidaria): "Nesta vida morrer não é difícil / difícil é a vida e seu ofício".

A vida consciente, como é a vida humana, não seria consciente sem a opção suicida. A morte martírica dos pós-românticos, ou neorromânticos, como queira, dá mais vida a suas obras, assim apreciadas em admirada cultuação, por uns, ou em piedosa compreensão por outros, de qualquer forma ressaltando a diversidade humana e a complexidade artística.

Outro dia tomei um porre e tive ressaca, coisa que não tinha há década, embora beba quase todo dia. Aí lembrei de vários amigos artistas mortos, que buscavam o cigarro antes do café da manhã, tomavam a primeira dose depois, e em seguida passavam a falar apenas de arte, como se a vida fosse apenas contínua celebração artística.

Deus, te agradeço por não ter me dado essa sina, mas não posso deixar de admirar a beleza triste dessa procissão. Como diz o caboclo, é tudo gente, né?

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