Minha mãe morreu sem sofrer nem temer, a julgar pelos seus olhos no dia em que não conseguiu mais falar mas olhava tranquila, com um leve sorriso.
Mais alguns dias e, quando eu chamava, olhava através de mim, olhando longe, como a dizer adeus, meu filho, eu já estou indo para outra estrada...
Jeito havia de prolongar sua vida, mas à custa de muito sofrimento. Teria de passar por hemodiálise, pois seus rins estavam pifando; teria de se alimentar por incisão na traquéia, e acabaria sendo entubada.
Decidimos não fazer nada disso, como permite o novo código de ética médica (e mesmo que não permitisse), obedecendo a seu último pedido quando ainda lúcida:
Não quero ir para hospital, quero morrer no meu quarto, na minha cama.
Os cachorros, tão sensitivos, ficaram tristes pelos cantos. E eu, que evito ir a velórios, porque choro muito, perdendo o controle e até as lentes de contato, tive a graça de ficar sereno durante todo o tempo, talvez porque há tempo esperasse a partida dela, pois vinha enfraquecendo devagarinho.
Mas eu temia a rezação. Temia que alguém puxasse um terço e desfiasse a mastigação automática das rezas, prática tão comum quanto inconsciente.
Enquanto transcorria o velório, vários de seus amigos e amigas lembraram de como receberam preces dela, no tempo em que foi rezadeira, benzedeira e conselheira, atendendo gente às vezes o dia inteiro. E lembrei dela, falando sobre o poder da prece:
Reza é uma coisa, prece é outra. Reza só faz bem pra quem reza, mas prece faz bem para os outros, e cura mais que qualquer remédio, cura até doença mental, que é a pior doença.
E eu, que sempre digo ser o preconceito a maior doença mental do mundo, vi que estava sendo preconceituoso contra a reza, afinal um costume que mal nenhum faz. Então, antes do caixão ser fechado, pedi a Dalva para puxar uma prece, e ela (sem saber de minhas especulações) puxou duas rezas, um Pai-Nosso e uma Ave-Maria, e em seguida fez uma prece muito simples:
Que ela vá iluminada, e que as boas lembranças dela iluminem a nós todos.
Me senti aliviado e feliz pois, sem combinarmos nada, foram atendidos os que creem em rezas e os que creem em preces. E o caixão dela ficou tão leve! E, seguindo ideia sua, sua lápide terá uma quadrinha: "Rezei muito para muitos/ rezei tanto e enfim / portanto não peço muito: / rezem um pouco por mim..."
Tiao, mãe; e, embora eu ainda não creia em outra vida, se algum dia te rever, quero agradecer pela última lição, com um beijo em tua testa, como você gostava, me olhando e dizendo:
Ah, meu filho, carinho faz tão bem...
Também não creio em anjos, mãe, mas, se existirem, desejo que sejam muito, muito carinhosos com você.
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