Suspeito que colecionar experiências, objetos, pensamentos (talvez o mais secreto e difícil de notar, classificar e mensurar) seja uma atividade mais intrinsecamente humana que, digamos, brigar no trânsito. Ou cobrar aluguéis assombrosamente caros por imóveis mal cuidados e catinguentos.
Estou com bolhas nos pés. Há semanas procuro apartamentos pelo centro de Curitiba e as sucessivas decepções não facilitam manter a esperança. Mas lambo as feridas e parto para a próxima imobiliária com as minhas exigências: uma cozinha o menos esbodegada possível e um banheiro que não seja escuro como a noite. Face norte e chuveiro a gás, de preferência. Começo a achar que é pedir demais.
O ser humano que gosta de cozinhar em casa (ou economizar um bom trocado) e tem apartamento próprio jamais conseguiria lavar uma panela de pressão em pias minúsculas, nem conseguiria manter a calma tendo que alavancar a gaveta dos talheres toda vez que precisar abri-la. Queria ver os proprietários de algumas espeluncas guardando sua louça em armários de MDF melados de gordura acumulada por décadas.
Sei que a grana está escassa para todos, mas por que não aproveitar a reforma dos azulejos do banheiro e ajeitar o cômodo que abriga a alma da casa e que nos permite um tiquinho de autonomia?
Admito que gosto de espiar cozinhas por aí. É a minha pequena obsessão. Adoro ver as fotos de azulejos amarelinhos que combinam com o filtro de água, de bancadas de granito atemporais, armários aéreos por toda a extensão da parede. Algumas têm coifa, outras têm suporte para micro-ondas. Em muitas delas eu sequer consigo me visualizar checando o bolo no forno. Em poucas, sinto como se já estivesse lá em um universo paralelo. Como se soubesse exatamente como ela ficaria com todas as minhas tranqueiras (já tive a obsessão de comprar utensílios de cozinha). São muitas possibilidades e quase nenhuma acessível – seja pelo preço, seja pelo estado deplorável do cômodo. Sigo alimentando minha mania, no entanto.
Minha sexta cozinha, a que uso há dois anos, estava com adesivos de tão nova, limpa e alva que era quando me mudei – um verdadeiro sonho. Alguns podem considerar que esta experiência me tornou mal acostumada. Enganam-se: cozinhei por quatro anos em uma cozinha minúscula, com a saída de água da máquina de lavar diretamente na pia.
Mas na atual há, com certeza, alguém mais obsessivo do que eu por ela. Alguém que já não habita mais o mesmo mundo, nem briga mais no trânsito – sua ocupação é assombrar-me em horários indevidos. Como quando estou quase pegando no sono e tenho a nítida impressão de que alguém ligou a torneira. Pode ser barulho do apartamento de cima, mas sinto que são muitos sinais. Já escrevi sobre ela, sonhei com ela e temos uma história que em breve chegará ao fim. Não sinto alívio, apenas apego ao balcão de fórmica e à bancada de granito. E ela, essa alma, me faz pensar qual será a cozinha que jamais abandonarei depois de provar o tempero do diabo. Talvez brigaremos no éter.
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