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 | Felipe Lima/
| Foto: Felipe Lima/

Esta é uma história real. Aconteceu com um amigo de um amigo meu – não é assim que começam as narrações de fatos inacreditáveis? Tento reproduzir fielmente o que me foi contado, pois é assim que se perpetuam os bons exemplos e as condutas invejáveis: narrando à exaustão.

Em uma fila de buffet para almoço, uma família tradicional brasileira – mãe, pai e filho – dão seus passinhos de espera e avanço. O menino quer conversar:

– Ô, pai! Hoje eu vou comer salaaadaaaa!, anunciava com alegria o garoto de uns seis anos, aquela vontade de só viver o instante enquanto tudo que os adultos querem é falar do passado ou planejar o futuro.

“Uhum, uhum”, murmuravam os pais, decerto sem olhar pra baixo. Neste momento, minha fonte, que viu tudo com seus próprios olhos, passou a prestar atenção no desenrolar da cena. De fato, a mãe era quem montava o prato do pequeno e havia folhas de alface e outras improbabilidades comestíveis para pessoas com dentes de leite.

Já no final do setor de saladas e pratos frios, o menino mirava tête-à-tête cada travessa, podendo tocar sem maiores esforços os palitinhos de cenoura. Mas sabia seu limite e contentou-se em tentar entabular uma conversa, sem muito sucesso. Embevecido pela translucidez verde clara à sua frente, ele não aguentou o silêncio:

– Ô, mããããe! Que batata é essa?

Foi ignorado. Insistiu:

– Também quero comer essa batata, mãe!

Não bastasse o milagre de uma criança entusiasmada com saladas e similares, era uma criança em estado de graça em um buffet mediano do centro da cidade, desses em que não se prova um prato sequer digno de nota – nem mesmo em um sábado. Eu daria um bolo de fubá inteiro para poder ter visto a cena com meus próprios olhos. Que tipo de batata inédita seria esta presente em um restaurante meia-boca?

– Isto é chuchu, meu filho.

E passou reto, sem pinçar um pedaço sequer. Dizem que houve breves protestos do infante, que repetia algo como “eu quero comer chuchu, eu quero comer chuchu!”, mas a mãe nem tchuns.

Fica aqui o registro de meu apelo para que esta criança complete logo a alfabetização, leia “Que saudades eu senti de comer chuchu”, publicado nesta Gazeta na edição de 23 de junho de 2015, e me faça uma visita.

***

E com esta historieta eu me despeço do Caderno G. Foram 20 textos escritos especialmente para este espaço nobre e agradeço mais uma vez a oportunidade e confiança dos (ir)responsáveis. 2016 me espera com um calhamaço de novos textos para desvendar e outros tantos para escrever (mestrado, sabem como é). Sigo como repórter da revista Bom Gourmet e com dois blogs para alimentar – Verdura sem Frescura e Tô Puta e Vou Cozinhar – e além de um podcast sobre vegetarianismo em parceria com meu namorado, o Ouvindo Abobrinhas. Espero voltar ao exercício das crônicas em breve, faz bem para a digestão.

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