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Romance

O Professor do Desejo

Philip Roth. Tradução de Jorio Dauster. Companhia das Letras, 256 págs., R$ 39,50.

Toda formação é feita de enganos, mal-entendidos, súbitos desvios de rota, trapalhadas. Sem essas quedas na fragilidade do mundo não há formação possível. Desde cedo, somos movidos por desejos – sexuais, éticos, espirituais, amorosos, intelectuais. Mesmo antes que eles se formulem, já trazemos inscrito na alma o desejo do desejo. A realidade quase nunca se encaixa com nossos ideais. Talvez a melhor palavra para definir a existência humana seja desencontro. Somos teimosos: não desistimos da ideia de que um encontro possa ocorrer. Isto é: desejamos.

Essas ideias a respeito do nascimento do humano norteiam O Professor do Desejo, romance de Philip Roth (Companhia das Letras, tradução de Jorio Dauster). Uma narrativa amorosa, mas também irônica, a respeito da longa formação do protagonista David Kepesh – um jovem empenhado sinceramente em chegar a si. O empenho, contudo, só o desvia de sua rota. Quanto mais se esforça, mais se perde. Seu corpo (seu sexo) nem sempre corresponde a suas fantasias. Seus desejos (seu coração) não passam de um mar bravio, sobre o qual ele se equilibra com grandes dificuldades, embora também com imensa excitação.

Claro, o tédio entremeia suas horas: ele é uma espécie de pano de fundo, estático e indiferente, contra o qual o desejo desenha seus projetos de felicidade. Os desencontros entre seus projetos pessoais e a realidade guardam uma potente carga de humor, que Roth explora com desembaraço desde as primeiras páginas. Há sofrimento, sim, mas há também riso e desdém a respeito do sofrimento. Há, igualmente, uma busca, que na verdade mais parece um estrebuchar – já que o desejo tem algo de convulsivo, agita e desnorteia mais do que consola e guia.

Sempre apreciei os romances de formação. O livro de Philip Roth me empurra de volta a alguns deles. Recordo a perplexidade com que, aos 13 ou 14 anos, li A Metamorfose, de Franz Kafka – a história de um rapaz que se transforma no inseto com que todos os adultos, em algum momento de suas vidas, estão destinados a se parecer. Fui um leitor apaixonado de Herman Hesse e, em particular, não só de Demian, um livro que nunca esqueci, mas do assustador O Lobo da Estepe. Sim, o solitário Harry Haller, protagonista deste romance, ao contrário do jovem Demian, é um homem de 50 anos, e não um rapazote. Mas existe um limite cronológico para o sonho da formação? A formação não seria só outro nome para o destino? Nós o preferimos, na esperança de uma chegada. Mas quando enfim se chega (a morte), nada mais há.

No colégio, li com espanto O Ateneu, de Raul Pompeia, um grande romance hoje injustamente esquecido. Como meus amigos, devorei, com uma mistura incômoda de alegria e de inquietação, O Apanhador no Campo de Centeio, de J. D. Salinger. Um pouco mais tarde, li O Retrato do Artista Quando Jovem, de James Joyce, Os Cadernos de Malte Laurids Brigge, de Rainer Maria Rilke, O Quarto de Jacob, de Virginia Woolf, e O Jovem Törless, de Robert Musil. Um fio de instabilidade liga essas grandes narrativas. Perseguindo esse elo obscuro, mas insistente, Roth escreveu O Professor do Desejo. Talvez para honrá-lo. Honrar, celebrar, aquilo que há de homem no homem.

Pois se há uma coisa que desejo não pode ter, em definitivo, é professor. David Kepesh percebe isso logo cedo quando se deixa fascinar pela "figura notável" de Herbie Bratasky, uma espécie de faz-tudo empregado no hotel de seus pais, o Hungarian Royale, de Nova York. Herbie sofre de um "exibicionismo desavergonhado", que não passa, talvez, de uma tentativa desesperada de fixar (congelar) o próprio ser. É crooner de orquestra, ator cômico, mestre de cerimônias. Desdobra-se, experimentando destinos que se limitam a se enroscar, sem levar a lugar algum. Aos 18 anos, quando entra para a Universidade de Syracuse, Kepesh passa a imitá-lo. Cópia de uma cópia, logo percebe que se encontra preso (como todos nós) em uma imensa sala de espelhos.

A amizade que o liga ao estudante de filosofia Louis Jelinek é abalada quando Kepesh descobre que o colega é "homossexual praticante". Como se um homossexual "não praticante" homossexual não fosse também! Depara-se, pouco a pouco, não só com seus preconceitos mas, sobretudo, com suas limitações intelectuais. Passa a buscar consolo com as garotas, mas logo descobre que elas também se debatem em identidades fluidas, feitas de desejos disparatados; prova talvez de que no mundo nada é realmente digno de confiança. Em Londres, onde chega para fazer uma especialização em literatura, faz sexo com uma prostituta "nascida antes da publicação do Ulisses" de James Joyce. Depois se envolve com duas garotas, companheiras de quarto. Elisabeth e Birgitta o levam a entender que as relações amorosas são, a rigor, desprovidas de qualquer possível entendimento. Apenas são, e as vivemos, ou não.

Descobre em si mesmo sentimentos inesperados quando, no Green Park, observa Birgitta em um longo diálogo com um homem que poderia ser seu avô. Anos depois, já na Califórnia, ao se envolver com Helen Baird, vê-se enredado em uma série interminável de "por quês" – perguntas e mais perguntas sobre amor e sexo que, quanto mais repetimos, menos sabemos responder. "Homens. Amor. Tudo saiu dos trilhos", ela lhe explica, justificando seu retorno à Califórnia. "Ah, meu Deus, eu penso, tão bonita e tão banal!" Kepesh descobre que o mundo é como uma dessas jaquetas dupla face, que ora vestimos de um lado, ora de outro, sem nunca saber ao certo qual é o direito, qual o avesso. Porque na verdade os dois lados são as duas coisas.

Enfim se casam e, "como eu deveria saber e não poderia saber", críticas e desaprovações mútuas constituem uma parte essencial do amor. Em uma briga, ela se enfurece e grita: "A vida não é uma torrada!" No fim do dia, de volta à casa após uma sessão de ioga, tranquilamente se contradiz: "A vida é uma torrada". É e não é. A vida, Kepesh começa a perceber, é só o que sobra do desejo. "A vida são sobras de comida", ela resume. E, no entanto, se aprendemos a saborear bem, que sobras deliciosas!

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