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Infantojuvenil

4 Contos

e. e. cummings. Ilustrações de Guazzelli. Tradução de Claudio Alves Marcondes. Cosac Naify, 48 págs., R$ 39,90.

Sem disfarçar a aflição, um leitor me escreve para perguntar: por que em seus textos você faz tantas perguntas? Por que, em vez de nos dar respostas, você não para de perguntar e perguntar? Consideramos, em geral, que o excesso de perguntas camufla a ignorância. Não camufla: ao contrário, expõe. Mais ainda: tira proveito de sua potência. Somos filhos das perguntas. Nossa matéria mental é a dúvida. Vivemos a perguntar "por quê?", "por quê?". E só da interrogação insistente nascem respostas — parciais, mas amorosas — que nos transformam em humanos. A pergunta é, também, a matéria da poesia. É de uma série interminável de perguntas que Edward Estlin Cummings, — um poeta que, aferrado ao menor, sempre preferiu assinar e. e. cummings — arranca suas palavras.

Essa torrente de dúvidas alimenta não apenas seus poemas, mas seus 4 Contos (Cosac Naify), o único livro que deixou para o público infantojuvenil. Derramados, na edição brasileira, sobre as luminosas ilustrações de Guazzelli e erguidos sobre a hesitação e o espanto, os contos de cummings deixam o leitor em um estado de contemplação ardente, que provém mais do assombro do que de um apaziguado deleite. Seus contos nos deixam agitados e perplexos. A resposta entorpece, a pergunta energiza.

Em "O velho que só perguntava ‘por quê?’", o conto de abertura, um elfo vive, há milhões de anos, uma rotina serena na mais distante das estrelas. Em seu mundo, todas as pessoas têm asas. Um dia, de repente, as estrelas se apagam e o céu escurece. "Ele viu que o ar e tudo o mais havia escurecido porque estavam cheios de milhares e milhares e milhares de pessoas". Essas pessoas, aflitas (como meu leitor), vêm lhe trazer um problema. Ou seja: uma pergunta. Acontece que, na Lua, surgiu um pequeno homem que não para de perguntar ‘por quê?’. "Por que esse homenzinho só pergunta ‘por quê?’", elas querem saber. Sem ter uma resposta, o elfo decide voar até o satélite da Terra para conhecer o homem que não para de perguntar. Ele mora no alto de um campanário, que fica no alto de uma igreja, situada no alto de um rochedo. Um estranho diálogo entre eles se inicia — uma conversa feita só de perguntas, e sem resposta alguma. A toda pergunta que o elfo lhe faz, o homem — que é muito, muito velho — só responde com outra pergunta. Aliás, com a mesma pergunta: ‘Por quê?’

A conversa se prolonga, mas, em vez de trazer soluções, só inaugura novas inquietações. Exausto, o elfo dá um ultimato ao homenzinho: "Esta é a última vez que vou aguentar isso. Ouça bem: se você disser ‘por quê?’ de novo, vai cair desde a Lua até a Terra". Mesmo diante da ameaça, o velho volta a perguntar ‘por quê?’. Ato contínuo, ele sorri e despenca no espaço. Ao longo da queda, e como resultado da série infinita de perguntas, o pequeno homem passa a regredir no tempo, até que, ao cair na Terra, está prestes a nascer. Da insistente pergunta, e não da resposta pronta e enfática, provém o nascimento. Ele não é o fruto de uma solução, mas de uma dissolução. Só dissolvendo-se no grande firmamento da dúvida, só escapando de toda resposta automática, o homem consegue, enfim, ser.

Já em "A casa que comeu torta de mosquito", cummings narra a história de uma casa que se apaixona por um passarinho. Antes de conhecer a ave, ela tinha uma vida solitária e sem grandes acontecimentos. Com a chegada do pássaro, passa a se sentir viva. Mas a felicidade só se instala quando surge uma pergunta. O visitante quer saber: "Posso morar com você?" Mais uma vez, é da pergunta que um futuro se descerra. Só diante de uma interrogação, a casa consegue antever seu destino. A resposta à pergunta só pode ser uma: "Por favor, viva dentro de mim, e nunca deixe de morar em mim até que a gente deixe de viver".

A partir daí, a casa se embeleza e se alegra. Graças à ousadia da pergunta, os dois podem construir um mundo próprio. Para comemorar, decidem almoçar juntos. O pássaro voa à caça de insetos, pois planejam fazer uma torta de mosquitos. Nesse intervalo, o inesperado acontece: três pessoas sobem o morro e, encontrando a casa vazia, nela resolvem se instalar. A casa, porém, tem uma maneira muito própria de dizer "não". Imediatamente, todos os relógios das salas começam a soar. Todas as campainhas também, e de modo estridente e desagradável. A zoeira que se instala não é uma resposta — não formula uma solução, ou um consentimento, mas, ao contrário, é uma negação. É outra maneira de perguntar "por que" e de dizer "não". Atordoados, os visitantes desistem e tratam de fugir. "Eles nunca mais foram incomodados por estranhos, e viveram juntos tão felizes quanto é possível ser feliz". As perguntas, é claro, continuarão a atordoá-los, mas elas não excluem a alegria.

O poeta cummings escreveu os três primeiros contos do livro para sua filha. O quarto deles, "A menininha chamada Eu", foi escrito para seu neto. Solitária, a pequena Eu faz uma série de convites que nunca são aceitos. Propõe aos outros, na verdade, questões que eles não podem responder. Encontra uma vaca amarela, convida-a para um chá, mas ela recusa o convite — como vacas não bebem chá, ela diz "não". Não é só uma negação, é também uma dúvida. Podem as vacas tomar chá? Quando dizemos "não", indiretamente fazemos uma pergunta. Na mente de quem ouve um "não" fica a pergunta: "por quê?" (Aqui voltamos à história do elfo). Uma incerteza, enfim, se fixa.

A menininha faz o mesmo convite a um cavalo branco, mas cavalos também não tomam chá. Depois, a um porco rosado e a um elefante. Ouve sempre um insistente "não". Até que, debaixo de uma árvore, a menininha encontra outra menininha que é exatamente igual a ela. Ela se espelha — Eu se desdobra. Espantada, resolve perguntar: "Quem é você?". A resposta a surpreende: "Você. Eis quem sou eu". E explica melhor: "Você é o meu nome porque eu sou Você". A resposta, em vez de esclarecer, desencadeia novas dúvidas. Perguntas impertinentes e insistentes que o leitor, agora, é obrigado a se fazer. Perguntas que só lhe trazem alegrias.

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