Poesia - Livro Geral - Alexandre Barbosa de Souza. Companhia das Letras, 112 págs., R$ 34| Foto:

Trancas, aldravas, cadeados: o real se fecha à força da linguagem. É neste vão, entre a palavra que insiste e o mundo que resiste, que um poeta escreve seus versos. "Como uma virgem, a casa se fecha", descreve Alexandre Barbosa de Souza, paulista de 40 anos, que agora reúne seus escritos de uma jovem vida inteira em Livro Geral (Companhia das Letras). Traça, com isso, a linha de sua maturidade. A linha de uma resistência – pois se o real não cede, a palavra não cede também. A poesia, no fim, é um combate. Luta na qual nem poeta, nem mundo vencem – só a palavra se ergue.

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Acompanho, com ansiedade, o avançar de Alexandre ao longo de seus cinco livros. Tutor inútil e tardio, escolto, passo a passo, o nascimento de uma voz. A poesia é um exercício de transfiguração: aos poucos, a palavra toma o lugar da máscara. Há uma "revoada de pombas escuras" – isto é, há o real que se alvoroça. Entre elas, "atrasada, a pomba branca". Sim: a poesia (pomba branca) sempre chega tarde demais. Em sua apresentação, um preciso Sérgio Alcides me dá a palavra que procuro: a poesia é um "interino". Um substituto, um sobressalente, algo que ocupa o lugar do que não pode estar ali. E a mim, como leitor, resta aceitar essa ausência. Mais ainda: maravilhar-me com ela.

Sem esmorecer, Alexandre trabalha com o perdido: com as sobras, os vestígios, os rastros do real. Descreve sua aventura: "Bem-te-vi, bem-te-vi./ Te vi mas te perdi./ Bem que procuro/ Onde nunca te vi". A palavra é só a sombra de algo que não se alcança. Palavra-iceberg, a poesia exibe apenas uma pequena ponta daquilo que carrega. Alexandre, o poeta, sabe que trabalha "no profundo do céu que desconheço". Trabalha – a palavra é dele também – como um "sonâmbulo", que se levanta, anda e fala durante o sono. Também Alexandre escreve em uma região intermediária, alheia à lógica do dia. Move-se (as palavras continuam a ser suas) em um "insustentável firmamento". Ali, eu (espantado) o sigo.

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Os poemas se alargam sobre o vazio, provocando alguma angústia, não só em que escreve, mas em quem os lê. A poesia é uma procura feita com recursos inapropriados. Nada funciona muito bem – e, no entanto, o poeta continua a escrever. Diz Alexandre: "Adormeço pensando:/ Também a lua procura o céu". Ela exige lentidão e delicadeza para aceitar tantos silêncios, pausas, lacunas. "Silêncio do que não vi,/ A vida no seu avesso", ele diz. Volta a falar da lua – insiste, sem medo, nesta imagem banal: "A lua/ Como seu corpo seco/ Responde a uma questão antiga". Ocorre-me que esta pergunta original, que persiste não só em seu livro, mas em toda uma existência, pode ser: "Onde estou?" O poeta não conhece a resposta, mas segue em sua escrita. É isso o que intriga: que a poesia se faça "apesar de".

Imita o aventureiro de que ele mesmo nos fala: pousa entre o santo (o desconhecido) e o tinteiro (a escritura). Espremido, instala "seu sábio coração; de madeira da China". Ali impõe seu artifício. Para chegar às palavras, não precisa de muito além de uma luz branda. Uma lua. Diz: "Basta-me a luz sem entalhe/ E a lucidez sem portada". Algo que não se pode pegar, mas que está ali. Penso então, assombrado, que Alexandre é jovem demais para pensamentos tão arcaicos. Costumamos acreditar que só na velhice extrema se chega, de fato, às origens. Ele desmente isso. Conhece o pássaro que em "seu bico de louça/ tem as curvas que aprisionam/ seu canto". Trata-se de um pássaro artificial que, furioso, sobe e desce escadas. "O que o faz assim –/ Que ele não voe, talvez nem saiba –/ É a lembrança de um céu muito pesado". O peso do mundo, contudo, não impede o poeta de soprar seu invento. Versos frágeis, amassados pela noite, ainda assim (ou por isso) cintilam. O sol os derreteria.

A poesia surge justamente onde o poeta perde alguma coisa. Nasce de um extravio. Mais uma vez, a apresentação de Sérgio Alcides é certeira ao apontar a presença do luto nos versos de Alexandre. Qual é o objeto da poesia? O que ela deseja aprisionar? Trata-se de algo que se perde no momento mesmo em que ele tenta pegar. Portanto: de uma derrota. Volto aos versos: "Ando pelas terras,/ Sabendo levar no peito o coração/ Aberto a qualquer falta". Estou agora nos poemas escritos entre 1993 e 2003. Alexandre era só um garoto. Indiferente à cronologia, mais forte que si mesmo, ele impõe as palavras no lugar da ausência. Não deve ter sido fácil. Não é fácil para ninguém, mas é o que todo poeta busca. Mesmo esbarrando, a maior parte do tempo, em uma porta trancada.

Deparo com momentos preciosos assim: "Outro dia sonhei com uma caixa/ Vazia/ Sextavada por dentro/ Como para conter um diamante/ Mas não havia nada dentro". É com o vazio que a poesia, todo o tempo, se defronta. O diamante – o real – não cabe na palavra. Mesmo na mais perfeita, mesmo naquela (sextavada) que ponto a ponto o copia. Não há encaixe. O ranger produzido pela luta do poeta com as palavras é, enfim, o poema. Alexandre, em nenhum momento, se ilude: "O que quer o coração?/ (...)/ Nenhum atinge a perfeição/ E a si mesmo conhece". O que mais fazer com um coração que se fecha, senão doá-lo? "Eis o que fazer: entrega o coração aos outros/ Sem ostentação: dominá-lo/ Contraria seu ritmo". O coração (o poema), que é imperfeito e que nem mesmo seu dono domina, existe para a doação. Nenhum de nós verá o próprio coração e, no entanto, é ele que nos mantém vivos.

O poeta, por fim, é aquele que não se esquece "de quando não havia caminho algum". Trilhando essa via inexistente – porque trancada – ele persiste na escrita. Daí os preconceitos que, ainda hoje, cercam os poetas, tidos como sujeitos obcecados pelo que não podem ter. Como "lunáticos". Talvez por isso a lua retorne, com tanta insistência, aos versos de Alexandre. Para afirmar sua insolência. Toda poeta é insolente, todo poeta é atrevido: quer sempre mais do que tem. Mais do que pode. Dessa insistência, alguma coisa lhe é devolvida. A poesia que Alexandre – mesmo em plena noite – traz tão perto de si.

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