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Romance

O Frio Aqui Fora

Flavio Cafiero. Cosac Naify, 254 págs., R$ 32.

O que se esconde detrás do humano? Que lugar é este que está lá, mas não está lá? Uma das namoradas de Gustavo Luna, o protagonista de O Frio Aqui Fora (Cosac Naify), romance de Flavio Cafiero, compara essa região inconsciente, que nos inclui sem que percebamos isso, com a coxia teatral. Coxia, ou bastidor, é aquele lugar situado dentro do espaço teatral, mas que está, ao mesmo tempo, fora da cena. É o que está ali, mas não se vê. No romance de Flavio, esse espaço aponta para nossa persistente presença no reino animal, que não se deixa importunar pelos avanços tecnológicos e pela sofisticação civilizatória. Somos como bichos — e esta é a primeira constatação que o personagem-narrador faz ao chegar ao mundo. Mas, além de nos situarmos na grande camada do reino natural, somos mais. "Os pássaros não mamam, portanto não são mamíferos. Vacas são, como já disse, mamíferos, mas minha ordem é a dos primatas, o que me distancia bastante, em termos anatômicos, das vacas, e me leva para bem perto dos macacos". Onde afinal estamos? Que consciência tenho do que sou? Meu coração bate, os intestinos funcionam, os músculos fazem movimentos involuntários, mas nunca dou atenção a isso. Algo se move dentro de mim — a natureza, esplendorosa coxia —, mas lhe sou indiferente.

É desta indiferença — deste "frio" — que o romance trata. Flavio começa descrevendo um inconsciente mundo natural, onde tudo funciona "mecanicamente" — isto é, onde o pensamento está fora da cena e mesmo sem ele as coisas se mexem. Constata que "o mundo ressurge diferente todos os dias": a natureza tem suas intenções secretas. Que a natureza pensa sem pensar — que ela vive sem precisar do pensamento, como fazem as vacas, os crocodilos e as focas.

Há uma poética nessa natureza. Diz o narrador: "É a mãe que faz o primeiro movimento. Curvou-se sobre o precipício. Grunhe. Os outros a imitam: curvam-se e juntam os olhares na reta do foco da mãe. Uma avalanche de poeira densa se desprende e para lá embaixo, na bainha da grande pedra". Há vida, mesmo nos gestos desprovidos de pensamento. Há uma poética que leva o mundo a mudar a cada dia. Sereno, Luna conversa, mansamente, com seu leitor, narra suas descobertas, suas constatações, seus assombros. Susto de estar vivo — assombro por possuir parte importante de si fora da cena, retida nas coxias, submersa no esquecimento. Mas ela está ali e ela age. É o que chamamos de instinto — tudo aquilo que não precisa do pensamento para existir.

Lembra da mãe — lembra da origem. Estreito túnel do qual despencou para ser. E, no entanto, como ele é um escritor, ou sonha em ser um escritor, se apossa dessas coisas vivas, urgentemente vivas, e as transforma em palavras frias. Frias ou frágeis? Palavras de ficção. "Toma gosto pela ideia, mas não registra no caderninho, segue adiante. Tenta seguir: o limbo realmente existe". O que é o limbo? Lugar fora dos limites do céu e do inferno, onde estão guardadas as almas esquecidas, ou que nem chegaram a viver para pecar; o destino dos inocentes, que nem se salvaram, nem pecaram. É o limite último do ser. Talvez lá estejam os animais, se suas almas existirem. Não são donos de si, não podem ser responsabilizados pelo que fizeram, são sem chegar a ser. Lugar por excelência da ficção, ali onde o escritor, sem saber que faz, faz. Porque o que ele escreve nunca é o que pensa ou deseja escrever.

Para o narrador, a vida às vezes se parece com uma sucessão de livros e filmes, isto é, de ficções: arbitrárias, vindas lá se sabe de onde, impulsivas, elas reaproximam (estranhamente) o homem da natureza. São parte da cultura, claro: mas guardam aspectos cruciais (inconscientes) que definem o animal. Neste impasse, resta ao escritor não se levar tão a sério e desconfiar de si mesmo: "Agora ri dos próprios pensamentos. Um resto de risada, uma sobra do otimista convertido: ironiza num sussurro".

Sempre que incluímos o animal que carregamos dentro de nós, nos surpreendemos. Semana passada, em Guarapuava, numa palestra, disse coisas que penso, mas que eu não pensava em dizer. Ou, pelo menos, não em dizer daquela forma, ou naquela situação. O fato é que disse, e que disse o que penso — mas uma sombra, escondida em minhas frestas, falou por mim. Como se um búfalo saltasse de meu peito e, sendo búfalo, mas continuando a ser eu mesmo, tomasse meu lugar. Foi uma experiência estranha. Tratava de um tema banal: a importância, ou falta de importância (como penso), da teoria literária na formação do escritor. Eu estava cansado, a viagem era longa, etc. Mas nada anula minhas palavras, que foram minhas e continuam a ser. Porque, como Flavio Cafiero mostra, continuamos a ser bichos. Mesmo em nosso mais extremo calor, persiste o frio. Mesmo na mais densa emoção, o automático e o impensável insistem.

Sou, mas não sou, o autor do que escrevo — poderia dizer Luna também. Não só do que escrevo, mas do que vivo. O nome e a vida nunca correspondem: estão sempre intermediados pelo arbítrio. "Qual será seu nome depois que tudo passar?", se pergunta. Que palavra definitiva, enfim, fixará sua passagem pelo mundo? "Digo com voz modulada, porque não quero que você durma, mas também não quero que me escute, assim, no meio de tanto pavor". Diz o personagem — e assim Flavio escreve também, numa modulação sutil, que nos sacoleja sem que saibamos, enfim, onde devemos parar. E é por isso que somos tomados pelo medo. Diz o narrador por nós: "Zero de coragem para sair daqui e enfrentar o futuro próximo".

Viver é instalar-se nessa luta pela sobrevivência. Batalha da qual a ficção é sempre a face mais nobre, porque é nela que real e irreal entram em combate. Qual prevalece? Nenhum deles. Luna busca sucesso na empresa, a mulher o abandona e leva o cachorro, engaja-se em um safári sem saber por quê, envolve-se com outras mulheres. Arbítrio: instinto. As melhores e as piores coisas são feitas na cegueira. Então, sente "saudades do tempo inexistente, isto é, um tempo em que eram apenas animais". Complicado ser humano, mas existe projeto melhor?

Viver é instalar-se nessa luta pela sobrevivência. Batalha da qual a ficção é sempre a face mais nobre.

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