Passaram-se alguns minutos depois das 8 da manhã. Como de costume, tomo café lendo o jornal e com a tevê ligada. Uma mulher bate na porta do apartamento vizinho:
– Fulano! Fulano! Abre a porta, Fulano!
Provavelmente a mesma que o esteve procurando dois dias antes. Ela bate, chama, força a maçaneta, mas o Fulano não abre. Não está. Ou não quer estar. Ela insiste até assumir um tom de súplica:
– Fulano, abre a porta, por favor!
Nada. Mais algumas tentativas e o som do elevador, seguido do silêncio.
Mais tarde, quando estou saindo para o trabalho, vejo um papel sob a porta. Certamente deixado pela moça para o Fulano. Sigo meu caminho pensando por que o Fulano não atende. Por que, Fulano?
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Já passou da meia-noite. Quando estou conseguindo finalmente silenciar meus pensamentos para pegar no sono, vêm gritos da rua. Briga? Assalto? Não, apenas alguém solitário, disparando palavras furiosas para quem quisesse ouvir. Eu ouço, ainda que não tenha entendido direito. De todo modo, parece que alguém lhe deu ouvidos.
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Enquanto preparo a comida na cozinha, deixo a televisão ligada. Passa um velho episódio dos “Simpsons”, daqueles que sei boa parte de cor. Mesmo concentrado no corte dos dentes de alho, o ouvido permanece atento à sala. Opa, lá vem uma piada clássica. Sem largar a faca, corro para a sala para não perdê-la. Vejo e rio. Volto para a cozinha, um pouco mais feliz.
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Dia de jogo. Meu vizinho é um estádio de futebol. Vizinho mesmo, basta atravessar a rua e estou no portão. Mas o estádio é do time rival ao qual torço. Sou obrigado a ouvir os gritos da torcida adversária. Essa passou perto. Parece que o juiz não deu pênalti. FDP! FDP! Galera tá meio quieta, pelo jeito tá difícil a peleja. Agora foi gol deles. Droga!
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Bem longe de casa, na mesa do bar. Com um grupo de pessoas que conheci há pouco. Eles são legais, divertidos, contam muitas histórias, fazem piadas. Rio bastante, estou à vontade, mas alguns reclamam:
– Por que você não fala?
– Eu sou um bom ouvinte.
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Final do século 20. A internet começava a engrenar, mas nem sonhava em poder ouvir a música que quisesse na hora que quisesse. Entrevista para o trabalho de conclusão de curso, na casa do entrevistado. Enquanto conversamos ele deixa a tevê ligada na MTV, uma das fontes de informação musical da época. A entrevista flui bem, mas de repente...
– (Pensamento) Cara, que música é essa? Que som massa!
– (Entrevistado emite aqueles sons que os adultos fazem no desenho do Charlie Brown.)
Naquele intervalo de tempo ele pode ter confessado ser um assassino em série, revelado uma conspiração política, me xingado com todos os palavrões possíveis. Não tenho a menor ideia do que ele falou.
A música, ah, essa eu lembro até hoje: “Lost in Space Theme”, do Apollo Four Forty.