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Lá estava ele, na companhia de seu gato siamês es­­­trábico, chamado Flori­­ano, navegando pela in­­­ter­­­net, quando apareceu a janelinha no canto do navegador: "quer conversar?" Levou um susto. Que diabo era aquilo? Exa­­­minou os arredores do notebook como se outra mão houvesse disparado o teclado. Não havia outra mão.

Olhou para a tela e lá estava: "então? não quer?"

Foi assim que descobriu como encontrar alguém com quem conversar. Sem enfrentar trânsito, barulho de boteco, música chata, pagar a conta. Agradeceu aos deuses da informática: estava livre da solidão e da insônia.

Teclou: "quem é você?"

Veio a resposta: "quem você quiser. kkkkkk."

E ele, chocado: "que kkkkkkk é esse?"

Isso foi há uma semana, quando começara, como disse aos amigos, a se emailzar com uma dona. Viriato, amigo do trabalho, advertiu: "Te cuida. Tu pensas que é uma dona, esbarras num desses tipos sarados e bigodudos."

Era uma dona, sim, insistiu. Tanto que, depois de umas conversas sobre solidão, ela começou a falar de filhos, do trabalho, da casa e de novo da solidão. Só uma dona para fazer isso. E se chama Teodora. Isso lá é nome de guerra?!

Viriato calou-se e aceitou.

Mas, quando ele quis saber detalhes sobre Teodora, ela se recusou a falar em medidas, fosse de busto ou quadril, preferências sexuais, experiências anteriores. Só declinava a altura, os olhos castanhos, os lábios finos. E, espantosamente, a idade: 40 anos.

"E a sua idade?" perguntou ela.

Que idade terei? ele se perguntou, alisando a careca conhecida como a mais brilhante do instituto onde trabalhava. E calculou: quem garantia que ela tinha 40?

Teclou 50 anos, escondendo os cinco últimos, aqueles em que estava na direção do instituto – aquilo não era vida, não contava. E insistiu com Teodora: "nessa solidão, você não fica pensando em sexo? Essa nossa conversa não agita os seus feromônios? Os feromônios não me dão sossego – e completou, didático: como os feromônios são substâncias químicas que permitem o reconhecimento mútuo e sexual dos indivíduos, exigem a presença física, ou seja, que se esteja ao alcance do excretor. Na internet, não dá. Você não quer se encontrar comigo?"

O cursor ficou piscando na tela. Um minuto, dois, cinco minutos. Que teria acontecido? Teclou: "oi, você ainda está aí?" Ela respondeu, um longo minuto depois: "fiquei chocada, por isso não respondi. Você falou em sexo".

O pior é que ela escrevia você com cedilha. Quem escreve você com cedilha é capaz de tudo. "Que mal em falar de sexo?" perguntou.

Ela metralhou, impiedosa: "sei não, você parece um pecador, obcecado por sexo. Eu desejo um relacionamento sério. Você tem religião? Acredita em Deus? Vai à igreja? Tem orado?"

Respondeu: "sou católico apostólico flamenguista, minha querida".

Ela desligou. O cursor ficou ceguinho na tela.

Dois dias depois, ela mandou a primeira de uma dezena de mensagens: um trecho do antigo testamento, seguido nos dias seguintes por outros trechos da Bíblia. Em vermelho, advertências ao pecador. Depois, artigos de Rubens Alves, Lia Luft, Paulo Coelho. Seguidos por apresentações do PowerPoint com pensamentos elevados, regras para o controle da sensualidade, o poder dos banhos frios, das leituras piedosas. No final da semana, ela voltou a aparecer no canto da tela: "então, leu os textos que mandei?"

E ele: "Olha, dona Teodora, vai me desculpar, mas na verdade eu tenho 19 anos, sou mais estrábico do que o meu gato Floriano, fumo muito, bebo demais, sou mesmo um pecador, uma vítima dos feromônios. Acho que cometi uma molecagem escrevendo para a senhora. Era tudo mentira, menos os feromônios, é claro. Me desculpe."

E ela: "Dezenove aninhos? Não me diga! O que era mesmo que você queria saber sobre sexo?"

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