Antes de mais nada, o candidato não é. Não é candidato, me explico. Nega que seja, desconversa, diz que está ali para servir ao país, ao estado, ao município. Aliás, candidato não só não é como não gostaria de ser. Vai concluir o mandato, vai servir ao seu partido, tem um compromisso com os eleitores. Faz cara de quem nem sabe porque estão lhe perguntando se é candidato.
Mas, é claro, candidato está sempre sujeito a fortes pressões externas de amigos, dos eleitores, do partido motivo pelo qual ele poderá ser. Depende. Havendo um clamor popular entidade metafísica jamais detectada por qualquer bafômetro eleitoral e consultadas as bases, ele talvez, quem sabe, poderá mudar de ideia. As bases não raro estão num vigésimo andar envidraçado ou num condomínio de luxo cercado por seguranças; dificilmente elas se reúnem às margens de rios poluídos ou lixões infectos.
Assim, havendo clamor popular, ele pode ceder. É nesse ponto que o candidato diz uma dessas frases surradas com ares de sabedoria segundo a qual política é como nuvem, muda a toda hora, ademais ele não raciocina sobre hipóteses. No que os candidatos são originalíssimos. Todos sejam cientistas, filósofos, técnicos, engenheiros ou donos de botecos sempre raciocinam baseados em hipóteses. Por um motivo simples: raciocinar é levantar hipóteses e submetê-las a testes. Todo o conhecimento humano é feito assim. Não é o que ocorre com os candidatos. Nada de hipóteses. Podemos supor que não haja conhecimento algum. Coisas de candidatos.
Por outro lado, o candidato não apenas não é candidato ele também não é. Simplesmente não é, já me explico. Se for alguma coisa, pode comprometer as alianças, os apoios, ferir amigos, desafiar inimigos. É preciso cuidado. Então, sem raciocinar e sem ser algo de definido, o candidato é antes de mais nada uma imagem. Mole, maleável, metamorfose ambulante.
Daí que precise se apresentar com garbo e elegância, o que confunde com ternos que o empacotam, cabelos engomados, palavras cautelosas. Uma imagem deve lembrar uma nuvem, mas com mutações sob controle. Quem deseja ter uma imagem eficiente deve manobrar a arte de ser e não-ser, estar aqui e ali, poder voltar atrás dando a impressão de que jamais andou para a frente, um exercício digno de Michel Jackson. O bagre ensaboado é no caso uma boa imagem.
Enfim, quando as pressões exigem, o candidato se candidata. Não se imagine, no entanto, que ele vá gastar os seus dias e noites matutando sobre o que já foi feito ou o que se deve fazer. Ele é só uma imagem e seus adversários também são imagens. O jogo político não se dá entre ideias, projetos, análises complicadas, propostas sutis, metas de longo prazo, mas entre espelhos. O que importa, como sempre, é a imagem. Muitas ideias só atrapalham e os eleitores acabam morrendo de sono ao invés de agitar bandeiras de um lado para outro. Ou desligam a televisão.
Portanto, inventar coisas simples. Coisas que possam ser repetidas por todos e assimiladas por todos. Candidato inaugurando é ótima imagem. Candidato sorrindo também. Com crianças no colo, então, é supimpa. Com a cabeça dependurada no ombro de quem tem popularidade, também. Mas, como o povo precisa de líderes, é preciso que o candidato não apenas sorria, mas mostre convicção, o que ele confunde com falar grosso, apontar com o dedo de um lado para outro como se inimigos estivessem espreitando nos quatro cantos da praça. Paranóia é uma grande arma eleitoral. Nisso também se igualam candidatos e candidatas, pois, como se sabe, candidato não tem sexo. Candidatos têm interesses e precisam ser interessantes, embora no geral consigam ser apenas interesseiros. É da política.
Depois, candidato acusa. É preciso acusar, mas sem dados concretos, pois isso poderia comprometê-lo. Se um deles usa a máquina pública, o seu adversário, que faz o mesmo, puxa o gatilho. Por isso, as acusações costumam ser mútuas e, por uma lei matemática, se anulam. Resultado zero.
O candidato precisa incentivar os eleitores a ver na política algo semelhante ao futebol, o esporte nacional. O que importa são os três pontos, a vitória, o título. Vale falta, rasteira, empurrão, gol em impedimento. Vale tudo, pois a causa é maior do que os homens e sobreviverá a eles. Aquela história dos fins e dos meios, Ou, como disse uma candidata: as instituições devem ser éticas, não os homens. Lutam por princípios que justificam qualquer botinada. A quem interessar, dizem que se inspiram em Maquiavel, que não leram ou leram errado. Como os leitores também não leram, ninguém vai notar; Maquiavel, no fundo, era uma ingênua criatura perto dos candidatos que conhecemos.
Como diria o Cardeal Mazarin a quem agradeço por ter permitido que eu psicografasse essa crônica que me ditou do além nós somos aquilo que parecemos ser. E concluo: um saco de mentiras é uma das formas mais eficientes de se produzir um saco de votos. Um saco cheio. De votos. Ou devotos.
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