Ao parar na esquina, ele comentou:
Fico meio triste com esses passeios.
Triste? Por quê?
Sei lá. Poderia perguntar por que saio de casa, não é mesmo? Tudo que me interessa está lá. Meus discos, as fotos antigas, meus livros, meu gato. Poderia ficar em casa.
Não tente me tapear. Sai em busca de alguma coisa que não encontra em casa.
Pode ser. O problema é saber o que procuro.
Não brinque. Você sabe.
Não sei. Ou melhor, sei. Ou pouco importa. Acontece que insisto nesses passeios todo final de tarde, que é a hora em que me chateia ficar sozinho. Vou a algum restaurante, algum café, algum bar. Venho pela avenida, atravesso duas praças, sigo em frente.
Sempre pelo mesmo caminho?
Não. Não. A cada dia invento um roteiro diferente, embora o resultado seja o mesmo. Não tenho curiosidade pela cidade, pelas praças e ruas. Conheço tudo isso de cor e salteado. Não me interesso nem mesmo pelas árvores.
Não se interessa? Não acredito.
Tudo isso está aí, qualquer um pode ver. A gente não tem interesse pelo que está aí. O que nos interessa são coisas que não estão aí.
Entendo.
Não sei se você entende. É difícil entender e, pior ainda, explicar. Naquela esquina ali, por exemplo...
O que havia ali?
O que falta ali, seria melhor dizer.
Perfeito.
Nós saíamos do colégio, atravessávamos o Passeio e vínhamos correndo nessa direção, pois naquela idade a gente não andava, corria. Aqui na praça a gente se jogava no chão, arfando e dando gargalhadas. Havia uma menina, Lídia ou Lígia, já não lembro, que chegava sempre ensolarada, quase vermelha, cabelos alvoroçados. Era linda.
Sua namorada?
Infelizmente, não. Namorada do Teixeira. Quer dizer, fui trocado por um sujeito chamado Teixeira! Que fracasso! E havia também o Marcos, o Luiz, a Amélia, a Neusa, dependia do dia.
Eis o que falta, então.
E é por isso que essas caminhadas são inúteis. Vejo a rua, as praças, mas nenhum deles está aqui.
Morreram?
Não. Nem sei. E não importa. Estão em outros lugares, com o tempo a vida vai espalhando cada um para um canto. Os amigos mudam de cidade ou de país. As mulheres se casam com sujeitos com nomes estranhos e nunca sabemos onde foram parar. É isso, eu acho.
Convenhamos, não é tão triste.
É verdade, eu exagero um pouco. Mas gostaria de encontrar essas pessoas, compreende? Por isso insisto nos passeios. Encontrar a turma da faculdade, a turma do primeiro jornal mimeografado, do primeiro show de bossa nova. Da primeira passeata, da primeira greve. Do primeiro lança-perfume. Do boteco em frente à faculdade. É isso. De que me interessam essas ruas e praças? Não servem para nada!
Não exagere. Não acredito que você pense assim.
Pois acredite.
Foi quando, já na porta do restaurante do qual se aproximava, um garçom o cumprimentou educadamente e perguntou:
Mesa só para o senhor ou espera alguém?
Só para mim. Estou sozinho.
E ele entrou no restaurante sorrindo, pois lá na segunda mesa não estava Isadora. Mas só ele sabia disso.
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