Catástrofes servem para aprendermos geografia. É o que ensinava uma antiga crônica de Rubem Braga. Dizia ele que só assim ficamos sabendo da existência de certas ilhas, vulcões ou cantões perdidos nos confins do mundo.
Como sabemos, o mundo mudou e hoje, além de já não serem escritas crônicas líricas e refinadas como as do velho Braga os tempos são rudes e ásperos as catástrofes, desiludidas de sua tática pedagógica, passaram a ocorrer nos quintais de nossas casas. Já não nos ensinam geografia. Perdemos o lirismo e os saberes dos confins do mundo.
É o que ocorre com essas catástrofes de janeiro. Todos sabemos algo a respeito de Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo. Sabemos que dom Pedro II amava passar seus dias naquelas alturas e alguns de nós já tivemos a sorte de visitar a região.
Então, o que nos ensinam essas catástrofes? Duas coisas, penso eu.
A primeira é a solidariedade e o espírito de sacrifício da população em tragédias desse tipo. Não faltou nem mesmo um salvamento cinematográfico, o daquela senhora içada ao alto de um prédio por dois rapazes que conseguiram onde? através de que milagre? uma corda suficientemente longa e forte para a proeza.
Não faltaram outros exemplos. Gente que perdeu tudo, mas que mesmo assim se tornou voluntário e passou dias recuperando corpos, limpando ruas, atendendo feridos. Um senhor pedreiro, pelo que lembro me deixou perplexo. Perdeu a mulher e o filho. No entanto, lá estava ele, enxada em punho, ajudando a amenizar dores alheias em luta com as próprias dores.
Além disso, de todos os lugares do país, com uma velocidade e um volume incríveis, surgiram doações, recolhidas por todo tipo de gente, levadas aos postos de coleta a pé, de carro, de bicicleta. Isso quer dizer que somos capazes de solidariedade e de atuação efetiva, que nos comovemos e reagimos cordialmente, no sentido que dava a essa palavra Sérgio Buarque de Holanda: agimos pelo coração. Ademais, que somos capazes de ações coletivas extremamente complexas seleção, embalagem, transporte, entrega, tudo isso que especialistas chamam de logística realizadas com grande competência.
A segunda coisa que aprendemos nos foi oferecida pelo espetáculo de autoridades atônitas, perdidas como baratas tontas, indo e vindo entre declarações desencontradas, esquivando-se de responsabilidades com a ligeireza de bagres ensaboados. Entrevistas cuidadosas, menos preocupadas com as vítimas, os mortos e os desastres, e mais em como passar uma imagem de eficiência. Todas as autoridades apontaram a "natureza" como a culpada.
Claro, a natureza tem seus próprios rumos e, como é dito dos rios, sempre volta a seu curso. Se os homens dependuram casas onde não poderia haver casas, ela as joga morro abaixo e as cobre de escombros.
É verdade que as autoridades, por mais que se imaginem poderosas, não podem nem são obrigadas a domar a natureza. Mas quem administra uma cidade, um estado ou um país, precisa estar atento a cuidados básicos. Ou seja: alertar do perigo, socorrer vítimas com eficiência, determinar e fiscalizar onde é possível construir os leitores estarão lembrados do morro do Bumba, quando a catástrofe nos ensinou que um bairro foi construído em cima de um lixão.
Assim, contrastando com a capacidade com que a população reage solidária, constatamos a lerdeza e alheamento das autoridades.
Por isso, lembrei-me de certos governantes que alegam, diante de protestos populares, que não "decidem sob pressão". A verdade é que autoridades só agem sob pressão. Só pensam quando no limite. No mais, exercem seus truques, disfarçando a própria incompetência, a falta de planejamento, a falta de visão. A imprevidência. E só lhes resta fazer, entre voos de helicóptero ou declarações estudadas para a mídia, caras de preocupação e promessas de providências que jamais serão tomadas.
A presidente da República, como se anunciasse uma verdade metafísica, disse e repetiu que a ocupação irregular é uma regra. Esqueceu-se de dizer que, se a catástrofe natural está além da força humana, a catástrofe administrativa é a triste lei dos homens.
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