Estou lendo o livro do Laurentino Gomes, 1808. O livro é muito bom e nele habitam muitos personagens extravagantes. D. João VI, o estranho no ninho, sua mãe, dona Maria, a Louca, e aquela espanhola intratável e meio doida, a Carlota Joaquina. A travessia do Atlântico e a descrição de como eram Salvador e Rio de Janeiro, rendem páginas notáveis. Sempre me pareceu que esse pedaço da história brasileira merecia ser melhor contada, sobretudo após os estragos feitos pelo cinema nacional, que reduziu a corte de D. João a um bando histérico de paspalhos. Bom, não foi a primeira vez que nosso cinema estropiou obras literárias e figuras históricas. Laurentino coloca as coisas em seu lugar e faz um livro sem odores de academia.
Devo dizer que comecei a leitura do livro numa madrugada gelada e sombria mas, já no início do primeiro capítulo, disparei a rir.
Explico. Para ilustrar o que significou a fuga, o autor nos sugere um exercício de imaginação. "Imagine que, num dia qualquer, os brasileiros acordassem com a notícia de que o presidente da República havia fugido para a Austrália". E por aí vai, mostrando a enormidade que foi deslocar a Corte naqueles navios suicidas da época, carregando móveis, pratarias, ouro, documentos, cristais etc. Esqueceram a biblioteca Real e seus 60 mil volumes no cais, mas isso se compreende.
O meu ataque de riso sobreveio ao imaginar que, ao contrário dos portugueses da época, que sofreram ao ver o Rei sumir mar afora, os brasileiros, caso vissem a atual classe política, seus agregados e serviçais, partindo rumo ao exterior, seriam capazes de produzir, mesmo que fosse neste frio e medonho mês de julho, um verdadeiro carnaval. A fuga seria comemorada com foguetório.
Imaginemos, então, que amanhã descesse uma frota de naves espaciais cheias de extraterrestres afinal, Napoleão nunca me pareceu ser deste planeta ali pelas redondezas do Mato Grosso. Imbatíveis, rumariam na direção de Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro. Lula declararia não saber de nada, reclamando do pessoal do G8, que não o avisou. Dona Marisa poria abaixo suas gavetas em busca do passaporte italiano, telefonaria para os filhos e arranjaria uma vaga para seu cabeleireiro no avião presidencial. E fugiriam acompanhados de Sarney, que na nova república a ser implantada algures, ficaria com o encargo de organizar o parlamento. Collor receberia a chave dos cofres da nação para reunir as riquezas disponíveis. O pessoal do mensalão faria coleta entre empresários, arrecadando trocados para implantar o projeto de Dona Dilma, o PBnE (Projeto Brasil no Exterior). O banqueiro Daniel Dantas seria nomeado para o Banco Central do novo país, no qual o delegado Protógenes seria de imediato declarado persona non grata. Sem falar nos partidos da base e da "oposição", que adeririam, como sempre. Nos aeroportos, veríamos filas de fugitivos: governadores, prefeitos, burocratas, empreiteiros, portando ações preferenciais, obras-de-arte, relógios Rolex. Esqueceriam a Biblioteca Nacional, é claro.
Enquanto isso, a plebe ignara, ao invés de choramingar ou jogar pedras como fizeram os portugueses com a comitiva de D. João, bateria palmas frenéticas.
Mas aí, como diria o filósofo Tarso Genro, surgiria uma contradição histórica na superestrutura. Como, de todas as artes, o Lula só gosta de futebol, ele baixaria decreto dando nacionalidade antecipada aos jogadores da seleção, transferindo-os para o futuro país. Os jogadores, sempre servis e oportunistas, aceitariam "o que o professor mandasse fazer" e fugiriam também.
Aí, teríamos problemas. "A seleção, não!" -- bradaria o povo, empunhando faixas e cartazes, invadindo portos e aeroportos, o que poderia melar o êxodo da classe dirigente, o que seria péssimo.
Enfim, apesar do frio, passei boa parte da madrugada me divertindo muito. Por isso recomendo o livro e o exercício aos meus leitores.
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