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A medicina refinou o conceito de insônia, pelo que me dizem. Antes, insone não conseguia pegar no sono. Rolava na cama de um lado para outro e não havia contagem de carneirinhos que pudesse ajudar.

Já não é assim. O sujeito continuará sofrendo de insônia, mesmo que caia na cama e durma imediatamente. O insone acordará uma ou duas horas depois e, a partir daí, nada de dormir. Ou dormirá aos trancos. De hora em hora, como já me aconteceu algumas vezes, com uma precisão de minutos. Trata-se de insônia, a falta de nome melhor.

Confesso que durante muito tempo considerei isso de dormir uma enorme perda de tempo. Ainda mais se fizermos aqueles cálculos malucos: um terço da vida (um terço do dia) dormindo e, com oito horas de sono, o sujeito que viveu 90 anos (só para efeito de cálculos, explico) terá dormido 30 anos.

Pura perda de tempo.

Dizem que certa ocasião Hermeto Pascoal – que não dorme nunca, segundo boatos – convidou o Sivuca para fazer uma daquelas gravações infindáveis em sua casa, onde havia um estúdio. Sivuca topou e se mudou de sanfona e cuia para a casa do Hermeto. Mas como acompanhar o interminável entusiasmo do Hermeto? Lá pelas tantas – ali pelas onze, no máximo – ele abotoava a sanfona e ia dormir.

O Hermeto não se conformava:

– Assim não é possível! O Sivuca acredita em dormir!

Pois é, alguns acreditam em dormir.

O escritor Josué Montello, por exemplo, não acreditava. Dormia de três a quatro horas por noite e passava o resto do dia em atividade febril. Escrevia, lia, discutia, talvez reclamasse de amigos que estavam dormindo. Assim, economizou metade das horas de sono que a medicina lhe prescrevia na cama e, tendo vivido 99 anos, ao invés de ter dormido 33 anos, ganhou 16,5 anos em atividade.

E não é só.

Os médicos dizem que sujeitos que dormem pouco estão mais propensos a enfartos, mortes súbitas, acidentes, cansaço, baixa produtividade – e a viver pouco. Pois o Josué Montello não deu bola para as estatísticas e, além de viver 99 anos, escreveu mais de 160 livros, entre eles um romance magistral, Os Tambores de São Luiz.

Claro que é difícil enfrentar uma noite de insônia, sobretudo quando se é vítima de um tormento atroz: nessas horas muitos se perdem em pensar tolices. Pensam na morte, escutam passos no quintal, lamentam um amor perdido, calculam quem terminará antes, o mês ou o saldo bancário.

Mesmo assim me parece que, com um pouco de malícia, é possível driblar a insônia. Primeiro: não tente dormir. O problema de dormir não é seu, é do sono – ele, se quiser, que durma. Segundo: não se afobe. Escute rádio, ouça música, leia um livro – mas não deitado, isso faz um mal danado para a cervical. Ande pela casa, coloque em ordem os CDs, os livros, o guarda roupa. Faça de conta que isso de dormir não é com você. Com essas medidas o caro leitor já estará cochilando. Esqueça o sono que ele, contrariado, irá para a cama em seguida – e você irá junto, sendo que poucas horas bastam, talvez quatro ou cinco.

Você tem mais o que viver, convenhamos.

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