Bertrand Russell, filósofo inglês, era um empirista radical e pacifista militante quando isso dava cadeia aliás, foi enjaulado algumas vezes por conta de suas ideias. Além de notável pensador, um refinado escritor. Seus textos autobiográficos resultaram em livros deliciosos.
Ficou órfão muito jovem e foi educado pelo avô, lorde John Russell, o qual, percebendo seu interesse pelos livros, resolveu abrir a ele a sua biblioteca, que era vasta. Russell, ainda um menino, ficou maravilhado e passou a ler os livros que despertavam seu interesse, fazendo escolhas aleatórias. Meses depois o avô o chamou e disse a ele que, pela desordem em que deixara os livros, conseguira descobrir quais deles havia lido. E o advertiu que fizera leituras muito dispersivas, que iam da astronomia à história, da física à biologia, de romances à poesia etc. E sentenciou:
Não faça isso. Concentre-se num só tema. Especialize-se, se não nunca vai chegar a lugar algum.
Com o humor de sempre, Russell dá o seguinte fecho ao episódio: "felizmente jamais dei ouvidos ao conselho de meu avô".
Como é sabido, Russell manteve vida afora seu interesse por inúmeros assuntos, da matemática à lógica, da sociologia à história do pensamento. Além disso, tinha especial preocupação com a educação, dedicando livros ao tema e, em 1927, fundou uma escola experimental, a Beacon Hill.
Foi do que lembrei ao ler um texto de um desses educadores que imaginam o ensino e o ser humano como uma extensão do mundo corporativo, com suas ênfases funcionais. O tal educador se mostrava irritado com o ensino de "coisas inúteis" aos alunos. Coisas que jamais iriam usar embora ele não revele o critério para sabermos o que, no futuro, poderá ser usado por alguém. Enfim, nada de especulações. Nada de questionamentos. Nada de filosofias. Especialização.
Tais projetos de educação restritivos sempre me assustaram, tanto quanto me encanta o gosto de Russell pela não especialização. Ele sabia que para se criar alguma coisa de novo em qualquer área, inclusive na educação, é preciso certa vadiagem de espírito, um senso quase lírico da aventura humana. Fora disso, a secura de burocratas, formadores de robôs.
Pois nesse ponto quase esqueci o tal educador e sua entrevista e passei a outro episódio relatado por Russell, que virou folclore.
Estava ele, certa tarde, remexendo com as flores de seu jardim, quando passou o jardineiro do bairro que lhe perguntou, puxando conversa:
Trabalhando, doutor?
E ele:
Não. Estou descansando.
Dias depois, o mesmo jardineiro o viu sentado num banco de jardim, olhando para o céu. O jardineiro desta vez achou que acertaria:
Descansando, hein, doutor?
E ele:
Não. Estou trabalhando.
O jardineiro foi levado a entender que muitas vezes um filósofo ou um cientista trabalha quando não faz nada e descansa quando faz alguma coisa. O nada do qual se ocupa são as ideias que fica revirando em sua cabeça vadia em busca de um melhor entendimento do mundo e da vida. E o descanso é dado pela ocupação de suas mãos, o que o dispensa de perseguir novos problemas.
Certos educadores, por não conseguirem entender o que o jardineiro de Russell entendeu, jamais se perguntam pelas razões que transformam as escolas em lugares muitas vezes áridos, não raro afastados de qualquer criatividade, sem passar aos alunos o verdadeiro prazer que é possível obter em coisas tais como pensar, ler, discutir, imaginar, fantasiar, criar, observar, esvaziar a mente. Um professor de matemática, Joaquim Floriani, me ensinou que a demonstração de um teorema pode produzir a mesma satisfação espiritual que a leitura de um poema. E um professor de desenho, Ludwig von Emmerich, me ensinou que não fazer nada pode ser tão produtivo quanto colocar tijolos sobre tijolos.
O professor que maravilhar seus alunos ensinou a eles algo de essencial. É preferível o menino Bertrand Russell livre e solto na biblioteca.
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