Em qualquer praia, sobretudo quando deserta ou em horas mortas, sempre surge um Gordo. Não um Gordo qualquer, mas o Gordo. Materializa-se quando o movimento é pouco e há certo cansaço no ar. Ele para em frente ao mar e exibe, poderoso, seu perfil em arco: um logotipo que é uma linha reta que desce da nuca aos calcanhares (ignorando a bunda), as mãos nas costas, a barriga avançando afoita na direção das ondas. Ninguém sabe quem é o Gordo, o que faz, de onde vem. E não se trata de uma comunidade de Gordos a se materializar em diversas praias ao mesmo tempo, num sincronismo calculado. É um Gordo só. O Gordo. Ubíquo e solitário.
Nada se sabe sobre o que pensa e deseja. O Gordo é insondável, indecifrável, enigmático. Olhos mortiços, aura zen. Único e múltiplo. Cria em torno de seu volume uma área na qual não se pode penetrar. É o espaço do Gordo, que é maior do que o próprio Gordo.
Tal espaço não o limita, pois o Gordo, com olhares penetrantes, apropria-se da praia, do mar e das montanhas com uma insaciável vontade de domínio. O Gordo sabe de tudo. Cria um centro em torno do qual o universo deve se reorganizar e indagar dele, o Gordo, a explicação de todas as coisas.
Mas não representa qualquer ameaça. O Gordo não prejudica ninguém, ninguém ofende, embora, por outro lado, não ajude ninguém. O que não é uma crítica. Aqui se fala apenas de suas aparições inexplicáveis e de seu recolhimento meditativo. O Gordo é um enigma e os enigmas não podem ser criticados. Só admirados.
O que faz na praia? Por que planta seus pés tão solidamente na areia? Porque volta-se, em desafio, na direção de onde sopra o vento? O Gordo passeia pela areia e jamais entra na água. Ocasionalmente molha os pés. No mais, contempla. Ou seja, limita-se a ser apenas o Gordo. O que já é bastante.
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Já o Magro costuma se materializar nas esquinas ou nos corredores e escadarias de repartições públicas. Atravessa a rua em saltos ornamentais, antes que aquele homenzinho verde apareça no semáforo, vence os degraus em pernadas ágeis que nos humilham. O Magro parece ser uma fonte infindável de energia. Está em permanente estado de ebulição. Abre braços agitados, pede passagem, reclama com o sujeito sobretudo se for o Gordo que vai quietamente a sua frente, curtindo a paisagem.
O Magro não vê a paisagem. Tem ocupações excessivas para tanto. O Magro articula planos a médio e longo prazos, sobretudo os de curtíssimo prazo. Imagina que qualquer paisagem o deixaria imóvel feito palerma, o que faria com que perdesse em poucos minutos um dos inúmeros empreendimentos que carrega em sua cabeça. Cabeça grande, aliás. Os Magros não pelo volume absoluto, mas pelo volume relativo da cabeça comparada com o traçado esguio do corpo, têm cabeças grandes, enormes. Os Magros pensam muito. Pensam demais. E se deslocam de forma surpreendente. Não é possível prever o que fará um Magro enquanto você tenta prever, ele já está noutra.
O Magro não cabe em si.
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O Alto é um caso especial e raro. Hoje não tão raro, a população em geral anda aumentando de tamanho. Mas é preciso notar que para ser Alto não basta tamanho. É preciso ser Alto. O Alto espia das alturas, navega num oceano que flutua acima dos demais mortais. O Alto nos olha de cima para baixo e dá giros de 360 graus com seu pescoço privilegiado de periscópio: sabe de tudo que se passa a sua volta muito antes que você possa subir num banquinho e olhar lá longe. E costuma ter voz de trovoada, não a voz profunda e sinistra dos Gordos, mas uma voz tonitroante, demolidora, daquelas que intimida microfone.
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O Baixo... bom, o Baixo, onde está o Baixo? O Baixo está em todos os lugares, eis a verdade, pois manipula a arte de atrair todas as atenções, da qual é exímio executante. O Baixo fala muito, fala rápido, dispara juízos em todas as direções, domina todas as conversas, gira os braços feito hélices. E corre muito, mais do que o Magro, pois precisa compensar o tamanho limitado de suas pernadas. Enfim, o Baixo, quando você se dá conta, já foi e já voltou, já subiu e já desceu, já entregou e já recebeu. É ágil e nervoso. Mas, exaurido com tanta agitação, o Baixo súbito se enche de melancolia. Fica parado num canto, murcho, sumido, ninguém o enxerga. Nada mais triste do que a tristeza de um Baixo.
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