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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Ela se chamava Dominícia.

Sua história se passa lá pelos fins de século 19 e início do 20. Tudo que sei dela me foi contado por minha mãe, que falava de sua avó com carinho e saudade. Era uma mulher graciosa, miúda, bonita. Vaidosa, inventou um creme para passar no rosto, mistura de talco e gotas de perfume. Era o presente que dava às amigas nos aniversários. De família pobre, cuidava de suas roupas, que ela mesma costurava, reformava, enfeitava.

Vestida com simplicidade e bom gosto, sapatos com saltos, cabelos arrematados em coque.

Passou a vida no Morro da Cruz, em Florianópolis. Quando jovem, gostava de saracotear pelo centro da cidade. Com o tempo e a velhice, resolveu ficar em casa, quieta e, pelo que sabe, feliz.

Mas para que os leitores entendam, preciso contar outra história.

Um dia Dominícia, talvez num de seus saracoteios pelo centro da cidade, encontrou o amor de sua vida. Ele era um paraguaio forte, mulato, de estampa sedutora. O fato de ser mulato, é claro, foi escondido pelas gerações seguintes da família, que preferem falar dele apenas como o paraguaio.

O namoro e o amor entre eles terá sido o usual na época, mãe e pai vigiando, pequenas idas ao portão da casa. Não demorou e se apaixonaram perdidamente. Logo estavam casados, morando numa casinha simples, que depois ficou para os filhos e os netos, entre eles minha mãe.

Da janela da sala, Dominícia observava seu amor descendo o morro rumo ao trabalho. Ela ficava em casa, cuidando do filho, da limpeza, das roupas, dessas coisas que ocupavam as mulheres naqueles tempos. Ao final do dia, aguardava o retorno de seu amado debruçada na mesma janela.

Eram felizes e Dominícia, sem favores, um doce de criatura.

Não sei quanto tempo se passou, pois os detalhes das histórias se perdem em favor de episódios que resumem tudo. Viveram felizes até que um dia, o paraguaio, que era homem de muitos resmungos e poucas palavras, enfiou-se na sua melhor roupa, escovou as botinas, esticou os cabelos encaracolados, meteu um perfume barato atrás da orelha e se preparou para sair.

Beijou Dominícia, afagou o filho José, meu avô, e deixou sobre a mesa uma moeda de cinco mil réis:

– Volto logo. Não demoro.

Nunca mais. Saiu da vida de Dominícia do mesmo modo como entrara, de hora para outra. Talvez, afinal realizando sonho antigo, tomou algum navio para o Rio de Janeiro ou retornou a seu país, onde, desconfiavam todos, tinha família, filhos e netos.

Dominícia nunca mais foi ao centro da cidade. De início andou à procura de seu marido. Foi à polícia e aos hospitais. Nada. Então se recolheu em casa. Mas não se consumiu em infelicidade. Ficou esperando.

Todos os dias, perto do horário em que seu homem voltava do serviço, colocava no peitoril da janela uma almofada branca, imaculada, contornada com rendas, e nela se debruçava. Esperava. Fez isso até o fim da vida.

Emoldurada pela janela, debruçada na almofada branca, assim ficou na memória de minha mãe. Jamais admitiu que ele não voltasse.

– Algo aconteceu, dizia. Ele voltará.

Não voltou.

Mas ela jamais foi infeliz. Amava perdidamente aquele homem.

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