Desde muito cedo o menino escrevia cartas de amor.
Ainda não sabia escrever, é verdade, mas as cartas eram pensadas em sua cabecinha inquieta enquanto acompanhava as evoluções de Ana Maria no quintal da casa vizinha. Sabia seu nome porque a mãe dela não parava de gritar:
Ana Maria isso! Ana Maria aquilo! Não faça mais isso, Ana Maria!
Aquela mãe era muito gritona. Desgostou tanto dela que por pouco sua primeira carta não foi de amor, mas de reclamação. Que parasse de gritar, diabos, atormentar a filha com tantos berros!
Mas o menino desistiu dessa carta. Inútil escrever para aquela berrona. Além disso, lembrou-se de sua própria mãe gritando:
Ângelo isso! Ângelo aquilo! Não faça mais isso, Ângelo!
Então ele escreveu uma cartinha breve, um bilhete, dizendo que era preciso paciência com os adultos, sempre irritados. E que ela era mais linda quando sorria e parecia feliz.
Mas um dia os pais de Ana Maria resolveram mudar de casa.
Veio um caminhão, colocaram nele a mudança, cadeiras de pernas para o ar, e o menino guardou a última visão de Ana Maria: da janela do caminhão ela sorriu para ele e jogou um beijo. Ele ficou besta. Jamais olhara para ele, por que fazia isso agora, quando partia? Muito difícil de entender.
Meses depois, ganhou uma bicicleta de presente. Descia a ladeira voando, retornava pedalando aos trancos. No alto da ladeira empurrava a bicicleta, exausto. Foi quando viu uma menina muito bonita na janela de uma casa amarela. Parou junto à calçada. Demorou, mas afinal ela olhou na sua direção e sorriu. Depois, se escondeu.
Merecia uma carta.
Começou falando do inesperado, como nas histórias que sua mãe lia para ele. O inesperado era muito bom nas histórias. Acrescentou: gostei de você... E empacou. Gostou do quê? Meninas fazem perguntas, querem saber de tudo, precisava de uma razão para gostar dela, ainda que apenas gostasse e pronto. Não tinha por quê.
Gosto do seu cabelo.
Retornou dias depois e viu a menina passar em frente à janela e, súbito, sentar-se de costas para a rua. Ele desceu da bicicleta. Fez de conta que a corrente estava com problemas, mexeu aqui e ali, um olho lá na janela. Ela não se mexia. Emporcalhou a mão na corrente, montou na bicicleta e desceu a ladeira.
Na volta, veio empurrando a bicicleta devagar, um olho na janela. Ela nem se mexeu. Voltou para casa irritado. Mania de ficar de costas para a janela, pensou. Janelas não eram feitas para se olhar para fora?
No dia seguinte, ele se aproximou a tempo de ver que ela surgiu correndo e sentou-se de costas para a janela. Desconfiou. Sabia que ele estava ali. Largou a bicicleta na calçada, foi até o portão. Descobriu então que eram duas meninas, ou melhor, uma era a menina de verdade, de costas, e outra era a menina que o espiava pelo espelho que havia na parede.
Acenou para aquela que o olhava do espelho. Ela se levantou bruscamente. Ou melhor: elas levantaram-se e saíram da janela. De cara feia. Haviam sido descobertas e estavam furiosas.
Foi quando escreveu outra carta. Confessou que não conseguia entender as mulheres.
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