| Foto: Felipe Lima

Desde muito cedo o menino escrevia cartas de amor.

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Ainda não sabia escrever, é verdade, mas as cartas eram pensadas em sua cabecinha inquieta enquanto acompanhava as evoluções de Ana Maria no quintal da casa vizinha. Sabia seu nome porque a mãe dela não parava de gritar:

– Ana Maria isso! Ana Maria aquilo! Não faça mais isso, Ana Maria!

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Aquela mãe era muito gritona. Desgostou tanto dela que por pouco sua primeira carta não foi de amor, mas de reclamação. Que parasse de gritar, diabos, atormentar a filha com tantos berros!

Mas o menino desistiu dessa carta. Inútil escrever para aquela berrona. Além disso, lembrou-se de sua própria mãe gritando:

– Ângelo isso! Ângelo aquilo! Não faça mais isso, Ângelo!

Então ele escreveu uma cartinha breve, um bilhete, dizendo que era preciso paciência com os adultos, sempre irritados. E que ela era mais linda quando sorria e parecia feliz.

Mas um dia os pais de Ana Maria resolveram mudar de casa.

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Veio um caminhão, colocaram nele a mudança, cadeiras de pernas para o ar, e o menino guardou a última visão de Ana Maria: da janela do caminhão ela sorriu para ele e jogou um beijo. Ele ficou besta. Jamais olhara para ele, por que fazia isso agora, quando partia? Muito difícil de entender.

Meses depois, ganhou uma bicicleta de presente. Descia a ladeira voando, retornava pedalando aos trancos. No alto da ladeira empurrava a bicicleta, exausto. Foi quando viu uma menina muito bonita na janela de uma casa amarela. Parou junto à calçada. Demorou, mas afinal ela olhou na sua direção e sorriu. Depois, se escondeu.

Merecia uma carta.

Começou falando do inesperado, como nas histórias que sua mãe lia para ele. O inesperado era muito bom nas histórias. Acrescentou: gostei de você... E empacou. Gostou do quê? Meninas fazem perguntas, querem saber de tudo, precisava de uma razão para gostar dela, ainda que apenas gostasse e pronto. Não tinha por quê.

Gosto do seu cabelo.

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Retornou dias depois e viu a menina passar em frente à janela e, súbito, sentar-se de costas para a rua. Ele desceu da bicicleta. Fez de conta que a corrente estava com problemas, mexeu aqui e ali, um olho lá na janela. Ela não se mexia. Emporcalhou a mão na corrente, montou na bicicleta e desceu a ladeira.

Na volta, veio empurrando a bicicleta devagar, um olho na janela. Ela nem se mexeu. Voltou para casa irritado. Mania de ficar de costas para a janela, pensou. Janelas não eram feitas para se olhar para fora?

No dia seguinte, ele se aproximou a tempo de ver que ela surgiu correndo e sentou-se de costas para a janela. Desconfiou. Sabia que ele estava ali. Largou a bicicleta na calçada, foi até o portão. Descobriu então que eram duas meninas, ou melhor, uma era a menina de verdade, de costas, e outra era a menina que o espiava pelo espelho que havia na parede.

Acenou para aquela que o olhava do espelho. Ela se levantou bruscamente. Ou melhor: elas levantaram-se e saíram da janela. De cara feia. Haviam sido descobertas e estavam furiosas.

Foi quando escreveu outra carta. Confessou que não conseguia entender as mulheres.

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