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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Encontraram-se por acaso, ao entrarem no café. Depois do choque inicial e de gestos constrangidos, ocuparam a mesa de canto e aguardaram em silêncio o garçom e o vinho escolhido ao acaso.

Quando o garçom trouxe o vinho, disseram ao mesmo tempo:

– Há uma coisa...

Riram da coincidência. Mais uma coincidência. Ele pediu desculpas:

– Fale.

– Fale você.

Ela esperou, evitando o olhar dele. Deu um volta no cálice de vinho e disse:

– Há uma coisa que eu nunca te disse...

– Era o que eu ia te dizer.

– Ia dizer o quê?

– Isso mesmo. Há uma coisa que eu nunca te disse.

Ela sorriu e tentou falar, mas ele a interrompeu, perguntando:

– O que você ia dizer?

– Que há uma coisa que eu nunca te disse.

Riram. Aproveitaram para beber.

– Há quanto tempo? – ela perguntou.

– Há muito tempo. Nem é bom pensar. O tempo é cruel.

– No entanto, dissemos a mesma coisa ao mesmo tempo.

– É. Ao mesmo tempo. Como se fosse ontem.

– Ou hoje.

– Mas já nem sei se recordo quando...

Foram interrompidos pelo garçom, que trouxe duas fatias de torta.

– Nem sei se combina com esse vinho, disse ela.

– Nem eu, disse ele.

Ela tentou descontrair:

– Isso de escolher vinhos é uma chateação. Desisti de aprender como funciona.

– Eu também. Os caras que falam de vinho são uns chatos. Duvido que gostem de vinho.

– Do que eles gostam?

– De fazer pose. Odeiam vinho.

Ficaram em silêncio. Um grupo de jovens entrou no café fazendo algazarra.

– Jovens, resmungou ela.

– Já fomos jovens, disse ele.

– Acho que nós estamos fugindo do assunto.

– Qual?

– Aquilo que deixamos de dizer. Aquilo que eu nunca te disse.

– É mesmo. Uma coisa que eu nunca te disse.

– E que eu nunca te disse.

– Mas será que...

– Acho que não. O tempo...

– Talvez a gente pudesse...

Ela fez um gesto, o dedo sobre os lábios:

– Não. Melhor esquecer.

– Tem razão.

Beberam em silêncio ao longo de uma hora e meia. O garçom veio avisar que o café estava fechando. Perceberam então que o grupo de jovens já havia partido. Despediram-se na porta, sem beijos ou abraços.

– Até, disse ele.

– Até, disse ela.

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