Trata-se de um Opala 1973. Quatro cilindros. Duas portas. Marrom, ou, mais precisamente, marrom calamar.

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Com o tempo, virou membro da família. Tem seus direitos, seu lugar na garagem, seu estilo de sair pelas ruas, suas manias. Orgulhoso e imponente. Hoje é um senhor de 37 anos, mas em pleno uso de suas forças, conquistando admiradores por onde passa.

As histórias do Opala são muitas, não cabem numa crônica. Já esteve de Ijuí e Porto Alegre ao Rio de Janeiro e Macaé por diversas vezes. Morou uns tempos em São Paulo. Houve época em que sabia o caminho para Florianópolis de cor. Era ligar e deixar que ele fosse em frente. Hoje, já não faz viagens longas. No máximo, leva alguém ao aeroporto, sempre com a maior competência.

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Foi roubado duas vezes. Em 1978, com o tanque cheio, pneus calibrados, pronto para uma viagem que jamais fizemos. Quatorze meses depois, fui buscá-lo numa delegacia de Campinas. Estava com buracos de bala na lataria, arranhões e amassados nas laterais. No porta-malas, um porrete preparado para não deixar marcas durante espancamentos e uma seringa com restos de sangue. Devolveram porque o Opala, farto com tudo aquilo, quebrou o disco de embreagem de propósito. Fora usado em diligências policiais. Foi sua vida de bandido.

Anos depois, algum alucinado o roubou para dar umas voltas. O Opala foi encontrado no dia seguinte, numa viela remota, com o estofamento recortado a punhal. Uma lástima. Me refiro à cabeça do ladrão, é claro.

Nós, eu e o Opala, já levamos sustos.

Fomos perseguidos por uma camionete imensa, vidros escuros. Acuado num beco, resolvi sair do carro com cara de brabo. Da camionete desceu um sujeito enorme, físico de zagueiro central. Pensei: "Estamos perdidos, Opala". O sujeito abriu os braços e gritou:

- Comprei! Quando vi esse Opala passando, pensei comigo: comprei!

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Virei valente:

– Comprou uma pinóia! Vá dar susto na sua avó!

O grandalhão desmanchou-se em tristeza. Pagaria o que eu pedisse. Tive que consolá-lo por quase meia hora. Falamos de Opalas de vários anos, tipos e qualidades, enquanto ele namorava o meu carro com olhares quase indecentes.

Dia desses, final de tarde, uma moto parou ao nosso lado ali na Avenida das Torres. Uma luva negra bateu no vidro e eu pensei: "dessa não escaparemos, Opala". O sujeito tirou o capacete, pediu desculpas e abriu um sorriso: "Parabéns! É um carrão!" Sem dizer palavra – e nem conseguiria – respondi com um sorriso amarelo, enquanto uma fila de carros buzinava atrás de nós.

Certa vez, um sujeito e seu filho nos aguardaram na calçada de casa por três horas. Só sairiam dali quando eu voltasse do trabalho. Queriam comprar o Opala. Quando cheguei, tive que explicar que não se vende membro da família. O sujeito recolheu o talão de cheques e abraçou o filho, os dois na maior infelicidade. Gastei uma hora de papo e servi cafezinho para que se refizessem.

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Assim vamos mundo afora, eu e o Opala. Quando estou meio chateado, dou um trato nele e saio pelas ruas. Estaciono em algum lugar e espero. Logo junta gente. Um diz que já teve um Opala, lamenta ter vendido. Outro conta que seu tio teve um Opala e ameaça uma chantagem: se dou esse carro pro meu filho, ele passa no vestibular. Depois de tantos agrados, voltamos para casa felizes da vida.

Praticamos, então, a última molecagem do passeio. Escolho a vítima – de preferência um desses carrões zero – e chego de mansinho. Abre o sinal e, na arrancada, deixo o incauto uns vinte metros para trás. Depois, espero. O carrão nos alcança e, encantado, o motorista dá tchauzinhos de admiração, para mim e para o Opala. Mas já houve quem xingasse nossas mães, a minha e a do Opala.

Nos dois casos, respondemos com a maior cara de felicidade.