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A filha, Anita, observou a mãe, Eulália, na frente da televisão. Curvada para a frente, os olhos espremidos, a testa enrugada, as mãos apoiadas nos braços da poltrona como se fosse saltar na direção da tela.

– Mãe, cadê seus óculos?

Eulália olhou-a irritada. Lá vinha a filha perguntar de novo pelos seus óculos. Anita adquirira nos últimos tempos essa mania de controlar tudo que fazia, aonde ia, como andava, se estava com a coluna reta ou torta, se tossia ou gemia ao se abaixar.

– Não sei – disse, fingindo-se de desentendida. – Por aí.

– Por aí, onde, mãe?

– Por aí, fez ela, aproximando-se da televisão e apertando os olhos.

Anita levantou-se e se colocou entre ela e a tela.

– Que foi? – perguntou Eulália.

– Os seus óculos sumiram já faz uns seis meses. Não se faça de boba.

– É. Mais ou menos isso. E daí?

– A senhora precisa usar óculos, mãe.

– Ah, deixa eu ver a novela! Sai da frente.

– Só se me prometer uma coisa.

Eulália jogou-se contra o encosto da poltrona, vencida:

– O que você quer dessa vez?

– Que a senhora vá comigo ao oculista.

– Por quê?

– Porque a senhora está precisando.

– Precisando o quê?

– Enxergar direito.

– Enxergo muito bem. Estou vendo a novela, não estou?

Anita perdeu a paciência, disse que ia caminhar, aproveitar aquele final de tarde com sol. Perguntou:

– Quer caminhar comigo?

– Deus o livre! Quero ver a novela. Sabe o Carlos Alberto?

– Não, não sei, não assisto novela.

– Acho que ele vai...

Furiosa, Anita saiu porta afora.

Eulália ficou sozinha e, mesmo tendo Carlos Alberto aparecido na tela e se aproximado de Ana Maria, não prestou atenção na televisão. Quem sabe Anita estivesse com a razão, pensou, olhando para a porta por onde ela escapulira furiosa. A filha tinha manias de solteirona, mas a verdade é que andava preocupada. Talvez ainda continuasse solteira só para cuidar dela. Eulália levantou-se da poltrona e foi em busca de um copo de água. Quando alcançou a porta da cozinha, ouviu um grito e se virou para a televisão. Uma sombra escura, Carlos Alberto, se debruçava sobre uma sombra vermelha, Ana Maria. Que grito estranho, pensou. Essa Ana Maria é cheia de fricotes, devia aceitar de uma vez casar com Carlos Alberto. Ou seria o Aguiar, o crápula, que entrara em cena?

Eulália aceitou fazer os exames no oculista. Quando os óculos ficaram prontos, ela sentou na frente da televisão e viu que de fato já não enxergava quase nada. Lá estava a casa de Carlos Alberto, os móveis, os quadros na parede, a paisagem vista pela janela. O rosto perfeito de Ana Maria. Como eram belas aquelas cores, pensou ela. E saiu pela sua própria casa, olhando para tudo com uma surpresa de criança. O retrato de Anita quando menina sobre a cristaleira. A cortina, o tapete, lá fora no jardim o pé de goiaba. Seu Alípio atravessando a rua. Suspirou. O banheiro com seus ladrilhos floridos, a cortina de plástico rosa. O espelho no corredor.

Eulália parou na frente do espelho e ficou estática. Curvou-se para a frente e viu um rosto cansado, marcado por rugas e manchas. O olho esquerdo parecia derramado para o lado. Os cabelos, ralos, eram fiapos espetados no ar. Meu Deus, pensou ela, como estou velha e feia.

No dia seguinte, na hora da novela, Anita deu pela falta dos óculos.

– Mãe, cadê seus óculos?

– Pois não sei, minha filha. Sumiram

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