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Uma única coisa me surpreendeu nesta campanha eleitoral: o candidato Plínio ter ironizado, durante um debate, que os presidenciáveis ali presentes estavam todos fazendo pose de bem-comportados. Todos bonzinhos.

Não estou fazendo qualquer declaração de adesão ao Plínio. Assinalo apenas que ele foi o único candidato a dizer alguma verdade. E a verdade é sempre aquilo que subverte. Analisemos a frase dita por ele. A sua força está no desnudamento que realiza dos candidatos, dos debates e dessa campanha cansativa e inútil a que assistimos entre bocejos de tédio.

Todos sabemos que os políticos se tornaram marionetes nas mãos de marqueteiros. É lamentável a situação em que se encontram. Precisam medir cada palavra. Cuidar com as olheiras, as sobrancelhas, os penteados. Zelar pela gravata, o terno e o vestidinho. Além da maquiagem e da cirurgia plástica, é preciso acertar o tom de voz. É preciso fazer pose de educado e não criticar demasiado, pois com isso se perde votos. E é preciso evitar idéias, pois elas são entendidas por uma pequena faixa da população. Mais vale urrar frases desconexas em palanques, enfiar bonés na cabeça, comer carne de bode, se fazer de amigão do povo. Nada de análises sobre problemas sociais e econômicos – os eleitores podem desligar a televisão. E, havendo alguma coisa unânime no ar, jamais criticá-la.

Se, como dizia Nelson Rodrigues, a unanimidade é burra, sejamos burros. Fazer ares de imparcial, de criterioso, de aberto ao diálogo. Tudo – idéias, projetos, programas, alianças, a história de cada um – deve ser colocado no mesmo caldeirão onde se cozinha uma mistura insossa e disforme. Dizer sim a tudo que possa pescar algum voto. Ao governo que sai. Às pesquisas que rolam. Àquilo que dizem que a maioria pensa. Destacar o positivo, ter horror ao negativo. Não colocar o dedo na ferida – o dedo ficará sujo. Não apontar as brechas por onde se esgotam as riquezas do país, os becos nos quais apodrece a miséria nacional. Não mostrar onde não estudam os jovens, onde não se curam os doentes, onde não são protegidos os velhos, onde não se vence a doença e se vive em meio à imundície dos esgotos a céu aberto. Onde se vive à custa de trocados que dão ingresso a um vasto curral eleitoral. Onde se vive no lixo, na ignorância, sobretudo na mediocridade boçal dos que julgam que chegaram ao paraíso porque compraram um carro velho em setenta prestações mensais. Não discutir o que significa ser a quinta economia do mundo ou supostamente estar paga a dívida externa.

Não causar atritos. Quanto a isso que chamam de reforma agrária, todos são favoráveis, inclusive o governo atual, que não a fez. A reforma política, também: são todos favoráveis. A tributária? Ora, até correm projetos pelo Congresso, como é sabido. De resto, são todos ecológicos. Rende votinhos. Pisar em ovos. Andar no fio da navalha.

Por exemplo: alguém viu quebrar o pau sobre a transposição do Rio São Francisco? Nenúncaras. Revirar o poço da impunidade e da corrupção? Jamais. É preciso alardear – sendo oposição ou governo, já que a unanimidade é imbatível – que o país vive um momento paradisíaco rumo ao futuro apontado por aquele asfalto perfeito que aparece no filme publicitário cheio de chavões noveleiros. A eleição se desenvolve apenas no plano das imagens. É um jogo de espelhos. Parecer é mais eficiente do que ser. É isso que medem as pesquisas: impressões, imagens. Tantos por cento vão votar nesse e tantos por cento naquele. Por quais motivos e com que grau de informação não importa, nem importa quem são os que votam assim ou assado. As pesquisas, aliás, medem a desinformação e a concordância bovina.

Ora, política de verdade se faz com confronto, ainda que não com agressão. Política se deve fazer com definições e não com palavreado complacente que nada postula. Política tem que colocar uns de um lado e outros de outro.

Ou, parodiando o poeta Ma­­nuel Bandeira: "todo o resto será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar" aos eleitores. O que estamos assistindo é uma pantomima deprimente. Todos querendo nos tapear como se fôssemos um bando de idiotas. Ou seremos um bando de idiotas? Nesse caso, os marqueteiros estão cobertos de razão.

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