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Maicon Sulivan da Silva, morador do bairro Cachimba, acordou às cinco da manhã. Mal teve tempo de se vestir, apanhou a mochila que sua mãe preparara e disparou porta afora.

Do outro lado da cidade, no bairro de Santa Cândida, Mary Suélem de Souza, entrava na camionete do partido. Sentou-se entre um gordo que comia bolacha e uma velhinha que ressonava.

Maicon Sulivan e Mary Suélem tinham algo em comum: iam enfrentar, em alguma esquina da cidade, o barulho dos automóveis, o fedor dos canos de escape, segurando bandeira de candidatos. Tudo igual. Ou nem tudo: os candidatos eram adversários.

Maicon Sulivan foi deixado na esquina da XV com a Mariano Torres. Andou três quadras até a Comendador de Macedo, onde era seu posto. Mary Suélem, como é próprio das mulheres, já estava lá, agitando a bandeira do adversário com um entusiasmo que Maicon Sulivan considerou provocação. Aquela fulana não fosse incomodá-lo no trabalho, pensou.

Ele largou a mochila junto ao canteiro, onde já estava uma velha pasta de estudante de cursinho. Ela ajeitou com o pé a pasta, não querendo mistura com aquele adversário de partido.

E lá ficaram agitando bandeiras. Fora isto, não acontecia nada. Ou muito pouco. O motorista de um furgão gritou um palavrão quando Maicon Sulivan cutucou o teto do seu carro com a bandeira. E Mary Suélem foi chamada de gostosa por um motoqueiro.

Ao ouvir aquele grito de "gostosa" perdido no barulho da avenida, Maicon Sulivan deu afinal uma geral na vizinha de bandeira. Era cheia de curvas e estava enfiada dentro de um jeans dois números abaixo. Empolgado, agitou a bandeira com um vigor renovado.

Mary Suélem, sendo mulher, já havia conferido tudo a respeito do sujeito. A camisa estampada estava amarrotada, o paletó não combinava com a camisa. Os cabelos não haviam visto pente nem água naquela manhã.

E foi assim que os dois começaram a se apaixonar. Ela gostou dos olhos grandes e negros e do risinho maroto que ele lhe dirigiu entre uma bandeirada e outra. Ele achou que aquele jeans embalava um corpo cheio de promessas.

Após este primeiro choque amoroso, os dois, apesar dos carros e dos fiscais dos partidos, deram um jeito de trocar algumas palavras. Poucas, mas foi o que bastou.

– Cansada?

– Nem te conto!

– Tô com um calo na mão.

– Ah, me doem as costas.

As costas das mulheres são deliciosas, pensou Maicon Sulivan. Enquanto isto, Mary Suélem apostou: está me paquerando, o bandido.

Daí em diante, manter as bandeiras erguidas e agitá-las se tornou um tormento menor. Difícil era seguir conversando plantados naquele canteiro entre as pistas e o barulho dos carros. Lá pelas tantas, Maicon Sulivan atreveu-se:

– Quer um sanduíche?

Ela topou:

– Quero.

Apoiados nas bandeiras, comeram o sanduíche que a mãe de Maicon Sulivan havia colocado na mochila. Queijo e mortadela. Enquanto ele balançava as duas bandeiras, ela mordia o sanduíche. Depois, inverteram a operação. Enquanto mastigavam, ela contou que era solteira, sim, mas tinha dois filhos, um de dois anos, outro de seis meses. Paulinho e Henrique. No momento morava com os pais, mas já morara fora de casa. Agora os filhos não permitiam. E ele contou que era separado, a mulher se mandara com um motorista de caminhão. Um sujeito vesgo, acrescentou, sem saber o motivo.

Terminado o sanduíche, ele acendeu um cigarro e ela ficou contemplando aqueles olhos negros e grandes filtrados pela fumaça. Nem deram pela chegada dos fiscais dos partidos:

– Que é isto?! De mãos dadas?! gritou o fiscal azul.

– E olho no olho?! escandalizou-se o fiscal vermelho.

Os dois tornaram a agitar as bandeiras, mas não adiantou. Maicon Sulivan foi transferido para a avenida Iguaçu, esquina com a João Negrão, e Mary Suélem foi parar no Alto da XV. Mas já haviam trocado números de celulares, esta única propriedade democrática dos dias atuais, e, à noite, encontraram-se na Praça Tiradentes. Após concordarem que "nunca se sabe o que estes caras vão fazer", decidiram votar em branco, evitando qualquer ameaça ao amor que nascia.

E, assim, ao menos no dia das eleições, viveram felizes para sempre.

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