Como por esses dias os assuntos fossem meio requentados – tirante a queda do meteorito e a renúncia do Papa – me perdi em reflexões sobre coisas menores como as etiquetas que fabricantes dependuram em camisetas e camisas, justo ali no colarinho.

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Há uma contradição profunda nessas etiquetas. Pode ser uma preocupação tola – e talvez seja mesmo, mas as tolices fazem parte daquilo que Machado de Assis chamou de "humana lida". Entendo que o fabricante queira deixar a marca no seu produto. Faz sentido. Mas me pergunto: por qual razão o sujeito fabrica uma camisa ou camiseta com um tecido suave, macio, agradável, e coloca aquela etiqueta no cangote da gente com um tecido duro, plastificado, espinhoso?

Talvez queira que a etiqueta dure bastante, daí a resistência e dureza do tecido. Mas acontece que, sendo dura e resistente, roça e machuca nosso cangote. Resultado: a primeira coisa a fazer é arrancar a etiqueta, o que nem sempre é operação fácil. Pode-se estragar a camisa. Já lutei por cerca de uma hora com etiquetas mais renitentes.

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Daí que a intensão divulgadora do fabricante vai para o espaço. Perdeu a grana investida na etiqueta. E, para quem imagina que as roupas devem ser apenas um adorno externo, lembro o caso dos pijamas.

Um pijama deve ter algumas qualidades, digamos assim, inatas. Acho que são três. Em primeiro lugar, aquelas que vêm de fábrica: a boa qualidade do tecido, que deve ser macio e agradável em contato com o corpo e o desenho folgado, cavas largas, mangas soltas, pernas de grande flexibilidade. O diabo é que alguns vêm com etiquetas. Pois tire as etiquetas imediatamente.

Mas os pijamas devem também ter outra qualidade só conquistada com o tempo: devem ser velhos. Um pijama novo é muitas vezes um ser arisco e imprestável. Já um pijama velho, gasto pelo uso e pelas sucessivas idas ao tanque, além de uma longa rolagem entre cobertas e sobre colchões, é uma delícia de conforto.

Como certas pessoas, aliás. A idade as torna mais flexíveis, tolerantes, menos donas das verdades do mundo. Quando jovens, todos sabemos de tudo e tudo resolvemos, com opiniões definitivas e fulminantes. Típico de pijama novo. Com o passar do tempo, o tecido cede, as costuras tornam-se mais tolerantes e, como retiramos as tais etiquetas, se transformam em criaturas maduras, até sábias. Já têm dúvidas, usam condicionais em suas frases, trabalham com hipóteses que poderão ou não ser confirmadas pela experiência. A tolerância é uma das virtudes de um pijama velho. Pijama novo usa sempre argumentos que Aristóteles chamou de categóricos. A é B ou A não é B.

Ora, todos sabemos que no mundo chamado real, bem como nos chamados conhecimentos produzidos pelo ser humano, para uma simples afirmação de um conceito A existe uma miríade de alternativas e possibilidades. Assim, uma boa teoria está mais próxima de um pijama velho do que daquele que estala de novo. Nada, por exemplo, lembra mais um pijama novo do que um dogma: definitivo e rígido. Nada mais parecido com um pijama velho do que Einstein, não só pela cara mas pelas ideias, entre as quais afirmar que a imaginação é mais importante do que a razão.

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Por fim, pessoas mais afinadas com o espírito relaxado e descontraído dos pijamas não costumam usar nem colocar etiqueta em ninguém. Sabem o que sofreram com as próprias.

Chego então ao principal desses meus delírios dominicais: vim a saber que chineses e chinesas de algumas regiões – não posso precisar quais – têm o hábito de sair às ruas usando pijama. O mesmo pijama confortável e amigo dentro do qual passaram a noite. Vão comprar pão, saem em busca de filhos na vizinhança, fazem compras nas redondezas, juntam-se nas calçadas com outros chineses empijamados para bater papo.

Altamente civilizado. Quanto mais um ser humano se fantasia com roupas formais, menos humanidade revela.

Não sei se me explico, mas ocorre que um chinês (ou chinesa) de pijama me parece muito mais honesto e, sobretudo, mais despido de etiqueta. Não roça nem incomoda nosso cangote.