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Apesar da overdose de futebol, volto ao assunto. A Espanha levou o caneco, no que os deuses do futebol obraram com acerto. Foi a melhor solução.

A chamada seleção do Dunga saiu de fininho, envergonhada, dando demonstração de descontrole, de falta de competência e, digamos, de cérebro. Agora, diante do desastre consumado, vejamos o que podemos aprender.

Em primeiro lugar, devemos pedir aos céus que essa seja a última encarnação do espírito da fatídica seleção de 1994, que trouxe o título, mas que espalhou um rastro de mediocridade pelo caminho. Deu origem a um futebol imaginado como uma espécie de rúgbi que se joga com os pés – e, se preciso, com os cotovelos, as travas das chuteiras, cara feia e ataques de histeria à beira do gramado. Futebol de volantes com quilos de músculos e microgramas de cérebro, jogadores obedientes ao "professor", fazendo o que seu mestre mandar.

No entanto, a coisa é mais séria do que parece. Esse rapaz, o Dunga, encarna uma face desastrada da nacionalidade brasileira. Aquela que confunde coerência com teimosia, falta de educação com autenticidade, desprezando a democracia como se fosse moleza de caráter – além de falar português como quem cospe pedras. Dunga é um desses tipos e todos nós temos conhecimento de governantes, de hoje e do passado, que agem assim, julgando-se tiranos messiânicos. Por exemplo: os jogadores brasileiros ficaram trancados por mais de cinquenta dias como se fossem um grupo de moleques que precisa ser mantido sob chicote. Estavam proibidos de se aproximarem de torcedores, de jornalistas, e mesmo seus contatos telefônicos com a família eram monitorados.

Aliás, é sintomático que no Brasil as seleções sejam chamadas pelo nome do treinador da ocasião. Já tivemos a seleção do Felipão, agora tivemos a seleção do Dunga. É curioso. O Uruguai é apenas a Celeste – belo nome – e deu uma mostra de superação e de bom futebol, sem as tradicionais botinadas. A seleção francesa, apesar do narcisismo, é chamada de Les Bleus, jamais a seleção do Domenech, assim como a espanhola é a Fúria e a italiana é a Azzurra. A Holanda é, em boa literatura, a laranja mecânica.

Nós brasileiros, acostumados com o fato de que nem mesmo o país onde nascemos e vivemos nos pertence – ao menos é assim que nos tratam as autoridades de plantão – nos alienamos da seleção pela qual juramos amor incondicional. Por conta disso, a seleção não é nossa e não é nem mesmo do Brasil: é do Dunga, como já foi de outros. Minha esperança é que aprendamos que, tanto quanto o país, a seleção é apenas dos brasileiros, não de seus eventuais dirigentes.

Outra coisa a aprender: não é pelo fato de ocupar um cargo de dirigente que alguém fica livre de prestar contas, de dar explicações, de responder com seriedade se sabia ou não o que estava acontecendo debaixo de seu nariz, se leu o que assinou, se tem razões para dispensar alguns craques ou preferir meia dúzia de cabeças de bagres. Vivemos num país em que qualquer um que assume dois tostões de autoridade se acha no direito de dar respostas cínicas a perguntas que deveria responder, rosnando para repórteres e críticos de seu trabalho, tratando-os como inimigos.

Mais ainda: futebol se joga com a bola nos pés e a cabeça erguida. Lembremos de Newton Santos, Ademir da Guia, Pelé, Falcão, Ganso. Por isso julgo que o carrinho seja a pior falta – uma falta de respeito. Deveria ser proibido com uma regra simples: "a bunda do jogador não deve jamais tocar o chão, a não ser involutariamente". Baniríamos os brucutus.

Enfim, trata-se apenas de futebol. Grave é levarmos os mesmos equívocos para outras áreas, eternizando incompetentes no poder, o que temos feito também a cada quatro anos.

Mas há esperança. Sexta feira, dia 9, liguei a televisão e passava um amistoso entre o Palmeiras e o Boca Júnior. Apesar da overdose, achei gostoso assistir ao jogo, que na verdade não tinha para mim nenhum interesse especial. Mas havia no estádio um alarido gostoso de torcida, um barulho de bola sendo chutada, alguns cantos e palavrões perdidos no ar. Foi quando descobri a razão de tal deleite: não se ouvia nenhuma vuvuzela.

Portanto, não toquemos vu­­vuzelas a cada quatro anos, seja nos estádios, seja nas urnas.

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