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Bons tempos aqueles em que os urbanistas modernistas teorizavam sobre como seria a cidade ideal. Românticos, utópicos, geniais, sujeitos como Le Corbusier, Alfred Agache, Sergio Bernardes se ocuparam de pensar e desenhar o que seria o espaço perfeito para vivermos depois que evoluíssemos – algo que esperavam que fizéssemos no futuro.

Miguel Nicolau/Especial para a Gazeta do Povo

Nos projetos destes caras, moraríamos perto do trabalho, usaríamos transporte coletivo, dividiríamos com nossos vizinhos espaços da cidade, dormiríamos em casas confortáveis e funcionais integradas à paisagem urbana sem quebrar a o fluxo vertiginoso e a unidade que os dias do porvir exigiriam.

Só que algo deu muito errado no meio deste caminho. Durante o século 20, a charrete perdeu o condutor. Não fizemos outra coisa que não destruir o espaço de convívio, aniquilar o uso coletivo da terra e construir casas idiotas. Palácios cercados para os asquerosamente ricos. Conjuntos habitacionais obscenamente longe da estrutura urbana para os mais pobres.

É difícil imaginar uma estupidez maior do que a forma desleixada com que tratamos nossas cidades. Perdemos muito tempo com ideias de jerico como pátria e nação, conceitos intangíveis de resultado historicamente doloroso. É nas cidades que a gente nasce, estuda, aprende a jogar bola e ler livros policiais, monta bandas e arruma namoradas, consegue o emprego, vota, leva o filho no cinema e morre num sábado a tarde. A gente vive na cidade e não na pátria.

O tema das cidades é o mais urgente de nosso tempo e, assim sendo, virou objeto de estudo e preocupação de boa parte das cabeças pensantes do mundo. No Brasil, uma das mais importantes é a do antropólogo Antonio Risério, um dos convidados da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que chegou fazendo esta constatação fatal: “A gente perdeu a opção de ficar sonhando com cidades ideais como os arquitetos modernistas faziam, porque hoje não tem mais tempo.”

Ele quis dizer que o nosso momento difícil e terrível e perdemos a prerrogativa de sonhar uma cidade ideal, porque a sobrevivência da espécie do planeta está tão comprometida, que esta seria agora é a “cidade necessária, a que tenha menos gases de efeito estufa, a que lide melhor com as águas, com fontes energéticas limpas”.

“Não existe uma catástrofe a caminho, a merda já aconteceu. O que nós temos de fazer é tentar remediar a idiotice planetária que nós já cometermos”, afirmou.

Parece grave demais e é. A cidade vai ficando impossível enquanto a gente vai se ocupando de regimentos internos, em decidir quem pode casar com quem, qual partido roubou menos. Uma pena ter que dizer isso em plena segunda-feira, mas esta conta já chegou por baixo da porta.

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