Quem assistiu a Fina Estampa, novela de Aguinaldo Silva que terminou no mês passado, deve estar estranhando Avenida Brasil. Os contrastes entre as duas produções da Rede Globo são inúmeros. Embora ambas tenham suas raízes no melodrama, apostando em vastas emoções e guinadas surpreendentes do destino, o estilo mais realista e contemporâneo de João Emanuel Carneiro evidencia os artifícios algo desgastados de Silva, um autor que carrega nas cores, investindo em personagens caricatos e exagerados, como o mordomo homossexual Crô (Marcelo Serrado) e sua insana patroa Tereza Cristina (Christiane Torloni), que pareciam habitar um universo paralelo, distante da vida real.
Carminha (Adriana Esteves), a vilã de Avenida Brasil, pode até ter alguns raros momentos de comicidade, mas é muito mais complexa e, portanto, assustadora do que a socialite enlouquecida criada por Silva. Carneiro toma o cuidado de lhe dar complexidade: ao mesmo tempo em que ela arquiteta, com o amante Max (Marcelo Novaes), planos para arrancar dinheiro do marido, o ex-jogador de futebol Trovão (Murilo Benício), ela demonstra sofrer de verdade por causa do turbulento relacionamento com o filho Jorginho (Cauã Raymond).
O rapaz, que viveu os primeiros anos de sua vida no lixão, acreditando ter sido abandonado pelos pais, é, sem saber, filho biológico de Max e Carminha, corroída pelo desprezo com que ele a trata. É torturada por uma mentira que ela mesma criou. Melodrama puro? Sim, mas de uma outra ordem, sem a artificialidade quase paródica de Silva, que parece esgarçar os limites do gênero e não expandi-los, como faz Carneiro, um dos roteiristas do filme Central do Brasil e autor de A Favorita, a melhor telenovela dos últimos dez anos.
Ao buscar um registro mais orgânico, um pouco menos calcado em clichês, Avenida Brasil não precisa de dezenas de personagens coadjuvantes para envolver o espectador com múltiplas tramas paralelas, que raramente conseguem ser desenvolvidas e arrematadas com sucesso. E é no núcleo central de personagens que Carneiro acerta em cheio, sobretudo na abordagem da história do jovem casal de protagonistas, Jorginho e Nina/Rita (Débora Falabella).
Unidos no lixão pelo destino e pelo abandono ainda na infância, as crianças Batata e Rita, vividas pelos atores mirins Bernardo Simões e Mel Maia, se apaixonam e "se casam" de brincadeira, prometendo ficar juntos até que a morte os separe. Deste pacto infantil, retratado de forma onírica nos primeiros capítulos da novela, vem a arrebatadora força do amor impossível dos dois personagens na fase adulta. Separados por anos, se reencontram: ela, sedenta de vingança contra Carminha, sua ex-madrasta e responsável direta pela morte de seu pai (Tony Ramos), e ele, às vésperas de se casar com Débora (Natália Dill).
Em menos de um mês de exibição, Avenida Brasil já provocou mais emoção do que todos os capítulos de Fina Estampa juntos. João Emanuel Carneiro é mesmo o cara!
Deixe sua opinião