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Gabriela
3ª a 6ª, às 23 horas. TV Globo.
Se você prestar bem atenção aos créditos de Gabriela, novela das 23 horas, há uma semana no ar, perceberá que se trata de uma produção "inspirada" no romance de Jorge Amado. E não "baseada" no livro do escritor baiano, cujo centenário é comemorado neste ano. Não tem obrigação, portanto, de ser fiel ao texto original. E, em tese, não há maiores problemas nisso: um filme, uma novela ou uma minissérie são obras em si, recriações que devem se sustentar por si sós, e não têm a obrigação de ser transposições literais.
Pelo que se viu até agora, nos cinco capítulos já exibidos, essa liberdade criativa permitiu a Walcyr Carrasco, autor da adaptação, dar seu próprio tom à novela, que lembra, mas não se confunde com o livro, ou com a primeira versão televisiva, de 1975, assinada por Walter George Durst e dirigida por Walter Avancini.
Como o Brasil vivia em plena ditadura militar, e a televisão, assim como a música e o cinema, enfrentava o crivo implacável da censura, Durst teve de ser criativo. Em relação às cenas de sexo, que transbordam no livro, ele recorreu à sensualidade do que é sugerido, mas não mostrado de forma explícita. O que não evitou que a novela causasse escândalo e frisson, apesar de ir ao ar no horário das 22 horas, reservado às tramas mais adultas.
Já o confronto entre o coronelismo vigente na Ilhéus da década de 20, representada pela figura do fazendeiro Ramiro Bastos (Paulo Gracindo [1911-1995]), e as novas forças progressistas vindas do Sul, encarnadas pelo jovem Mundinho Falcão (José Wilker), foram tratadas por Durst como metáfora do Brasil dos anos de chumbo. Qualquer semelhança não era mera coincidência.
Na versão de Carrasco, muito bem produzida, apesar de certo exagero na recriação de época, que talvez pedisse um pouco mais de sobriedade e rigor, esse pano de fundo político parece ter bem menos ressonância. Mundinho mal entrou em cena, e o coronel Ramiro Bastos (Antonio Fagundes) apresentado no primeiro capítulo em um flashback que levou a história ao fim do século 19 , como um homem cruel e ambicioso que toma terras alheias para iniciar o seu império de cacau, não disse muito a que veio ainda. Mostra-se até agora como vilão, figura de autoridade na cidade, mas não tem maior transcendência, ou diálogo com os tempos atuais.
Carrasco, como em suas novelas de época, O Cravo e a Rosa e Chocolate com Pimenta reexibida atualmente pela TV Globo , é mais hábil quando lida com o folhetim e a crônica social. A Gabriela de Juliana Paes, por exemplo, é mais doce e brejeira do que a de Sônia Braga, selvagem, não domesticada, como no romance. Há sensualidade em ambas, mas a de Juliana já está decodificada para o gosto médio, ao contrário da de Sônia. E o Nacib de Humberto Martins, um astro de tevê maduro que já viveu dias de galã e vive boa fase desde o remake de O Astro, também é bem mais palatável do que o de Armando Bogus (1930-1993), um grande ator, menos evidentemente sedutor do que o atual dono do Bar Vesúvio, pelo qual as mulheres já estão suspirando.
Na primeira semana da nova versão, dirigida por Mauro Mendonça Filho, o Bataclã, comandado a mão de ferro por Maria Machadão, teve enorme destaque, ressurgindo como uma espécie de Moulin Rouge baiano, com direito a números musicais, alguns com coreografia, cenas de nudez e sexo.
Como a dona do cabaré, a cantora Ivete Sangalo tem até surpreendido, já que não é atriz profissional. Mas quem vem roubando a cena é mesmo Leona Cavalli, no papel da prostituta Zarolha. Vivida pela grande Dina Sfat (1938-1989) na versão original, a personagem encontrou na atriz gaúcha, premiada no cinema e no teatro, uma intérprete à altura, complexa e intensa, capaz de enfrentar a fúria das mulheres católicas de Ilhéus, encabeçadas por Doroteia (Laura Cardoso), personagem sem qualquer evidência na primeira versão.
Estamos, enfim, diante de uma outra Gabriela. Por ora, nem melhor nem pior. Mas diferente.
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