Personagem de James Dean disputa o amor do pai a todo custo| Foto: Divulgação

Ouvi um boato de que existe, circulando pelos estúdios de Hollywood, o projeto de refilmar Vidas Amargas (1954), clássico de Elia Kazan baseado no romance A Leste do Éden, do norte-americano John Steinbeck, vencedor do Nobel em 1962. A notícia me deu arrepios.

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Assim como o diretor Martin Scorsese, que tem pelo filme adoração confessa, e o viu e reviu dezenas de vezes quando era garoto, em um cinema perto do apartamento de sua família no Queens, em Nova York, eu também guardo pela produção um afeto que transcende a mera admiração estética.

Lembro de ter visto Vidas Amargas, também na infância, mas na televisão, em uma Sessão de Gala, ou Corujão da vida. E ainda é vivo na minha memória o profundo impacto que a história dos irmãos Cal (James Dean) e Aaron (Richard Davalos) teve sobre mim.

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Trata-se, como o próprio título do romance de Steinbeck anuncia, de uma transfiguração do trágico confronto entre os personagens bíblicos Caim e Abel, filhos de Adão e Eva, casal protagonista do livro Gênesis, do Antigo Testamento. A ação, no filme, se passa nos anos 1910, antes e durante a Primeira Guerra Mundial, na região do vale do Rio Salinas, na Califórnia.

Cal e Aaron foram criados apenas pelo pai, Adam (Raymond Massey), um fazendeiro plantador de alfaces de valores rígidos e poucas palavras, cujo amor contido é disputado avidamente pelos filhos, que têm personalidades opostas, e conflitantes.

Dean, em seu papel de estreia, brilha como poucos jovens atores na história do cinema no papel do atormentado Cal, cuja rebeldia e inconformismo desagradam ao pai, que prefere o outro filho. Aaron é a virtude em pessoa, aquele que não dá passos em falso e faz tudo certo.

Esse desequilíbrio de afetos faz com que Aaron se torne alvo do ciúme e, por fim, da crueldade de Cal, que se comporta como um animal ferido e tenta se defender a todo custo. Nem que isso lhe custe machucar o irmão.

E a oportunidade surge quando Cal descobre que a mãe dos dois, Kate (Jo Van Fleet), que julgavam morta, na verdade os abandonou e ganha a vida como cafetina em uma casa de prostituição, instalada em uma cidade não muito distante da localidade onde moram.

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Surge, então, a oportunidade de ferir Aaron, para quem no mundo só há lugar para o bem, por mais que às custas de uma percepção muito ingênua da realidade. E Cal o leva, sem avisá-lo, para conhecer a mãe, em uma das sequências mais dramáticas e tensas de todo o cinema. É de tirar o fôlego. A tragédia, como nos clássicos gregos, é anunciada e inevitável a essa altura.

Rodado de forma visceral por Kazan, um cineasta oriundo do teatro que sabia como poucos dirigir atores e encenar dramas humanos, Vidas Amargas é a avassaladora história de uma família que se dissolve, por meio de segredos e mentiras, mas, sobretudo, em decorrência de não ditos. Os afetos mal resolvidos, defende a trama de Steinbeck, são corrosivos.

E a dor de Cal encontra na sensibilidade e no arrebatamento ainda brutos de James Dean o solo perfeito, impregnando o espectador. É inesquecível sua imagem, no topo de um trem, em direção a um destino incerto, pautado por sua busca pela verdade a qualquer preço.

Talvez por isso me cause certa angústia a ideia de um novo filme (vale lembrar que A Leste do Éden deu origem a uma esquecível minissérie para a tevê em 1981), produzido por Brian Grazer (de Uma Mente Brilhante) e dirigido pelo britânico Tom Hooper, vencedor do Oscar por O Discurso do Rei e, atualmente, rodando a versão para o cinema do musical Os Miseráveis. Alguém ousaria refazer Cidadão Kane (1941) ou Casablanca (1942)?

Presentificar o eterno me parece redundante, desnecessário. Mas é apenas uma opinião.

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