André Gorz e Dorine foram casados por seis décadas| Foto: Daniel Mordziski/Editora Galillè

Livro

Carta a D. – História de um Amor

André Gorz. Tradução de Celso Azzan Júnior. Cosac Naify, 64 págs. R$ 15,90.

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Com a Copa do Mundo como monotema, o Dia dos Namorados, que coincidiu com a estreia do Brasil no mundial na quinta-feira passada, ficou quase esquecido, coitado. Fora os corações espalhados em Curitiba pela Praça Santos Andrade e Rua XV de Novembro (uma ação da RPC TV), a data, obviamente, ficou tímida perto do furor causado pela seleção. Não poderia ser diferente.

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Então, chego atrasada para falar de uma história de amor admirável, narrada em um livro de que gosto muito, e que ganhei de presente pela data em 2009: Carta a D. História de Um Amor, de André Gorz. Para quem esqueceu do dia e quer se redimir, o regalo é certeiro, garanto.

Gorz, cujo nome verdadeiro é Gerhard Horst, nasceu em Viena e foi levado pela mãe à Suíça, que temia sua convocação para o exército nazista. Estudou engenharia, radicou-se na França no fim da Segunda Guerra Mundial e se tornou um dos principais intelectuais da esquerda francesa.

No livro, uma carta de amor para Dorine (a primeira edição do livro, lançada pela Cosac Naify e Annablume em 2008, tem, inclusive, um simpático formato de carta), ele passa por todos os anos de relacionamento do casal.

Gorz avistou a bela inglesa em uma festa, e encantou-se com os seus passos de bailarina. Achou que Dorine era muita areia para o seu caminhão, mas resolveu arriscar: num dia frio, ele a viu saindo do trabalho e a convidou para dançar. Nunca mais se separaram, e bailaram juntos por 60 anos.

Em tempos de amor líquido – como nos lembra Zygmunt Bauman – onde as relações estão cada vez mais frágeis, a história de André e Dorine é um alento. E não pense que o livro é uma carta "melosa", sem nenhum conflito. É quase uma espécie de pedido de desculpas para ela. Como ele mesmo escreveu, precisou reconstruir a história de amor para aprender todo o seu significado.

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Ao longo da carta, ele relembra o papel fundamental da esposa para que ele se tornasse o intelectual que foi. Para se dedicar integralmente à pesquisa e viver por completo a efervescência intelectual da França (era muito amigo de Jean-Paul Sartre), foi Dorine quem precisou colocar a "mão na massa". Por muitos anos, ela rebolou, sozinha, para prover o sustento dos dois.

O começo da obra é arrebatador. Espero que a reprodução do trecho incite o leitor a ler o livro inteiro: "Você está para fazer oitenta e dois anos. Encolheu seis centímetros, não pesa mais do que quarenta e cinco quilos e continua bela, graciosa e desejável. Já faz cinquenta e oito anos que vivemos juntos, e eu amo você mais do que nunca."

O livro foi um sucesso: chegou ao Brasil depois de vender mais de 100 mil exemplares na França e na Alemanha – saiu aqui com 5 mil exemplares (esgotados em três dias, a editora imprimiu mais volumes de última hora). No ano passado, a Cosac Naify relançou a obra na versão portátil.

O desfecho da história de André e Dorine é tão romântico quanto trágico: os dois foram encontrados mortos em 22 de setembro de 2007 em Vosnon (oeste francês), onde viviam. Dorine sofria com uma doença degenerativa há décadas – o escritor se aposentou em 1983 para se dedicar à esposa. Naquele ano, as dores eram insuportáveis para ela. Resolveram partir juntos.

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