Uma igreja da Inglaterra está vendendo o silêncio do seu interior. O CD The Sound of Silence (o som do silêncio) tem 28 minutos de zero decibéis, com um ou outro ranger de sua estrutura do século 12. Alguns passos, quem sabe tossidinhas o técnico responsável pela gravação disse que os sons de fundo seriam fundamentais para o sucesso do projeto.
A iniciativa foi de um membro da congregação de São Pedro de East Blatchington, cujo objetivo era "erguer a moral" da organização. O preço não é estipulado: paga-se no formato de doação.
A primeira prensagem esgotou no primeiro dia de vendas, e a igreja recebeu muitas encomendas para a segunda edição.
Como será que as pessoas que compraram estão escutando o registro? No iPod, a caminho do trabalho? No toca-CDs do carro? Para isolar alarmes e vozes desagradáveis enquanto tentam dormir?
Causa inveja em quem não consegue um momento de sossego.
Enquanto o álbum silente não chega à Amazon, outra opção para silenciar seria desligar o Facebook. Quantas vozes, quanta ternura e quanta agressividade cabem em uma rede social! É lá que entramos em contato com ensinamentos da filosofia contemporânea, como "quem não consegue ficar sozinho provavelmente está em má companhia".
Mas também não é preciso tirar conclusões sociais de tudo que se lê. Um CD de silêncio esgotou logo de cara? "É a nefasta agitação da vida moderna que nos priva de um tempinho a sós." Talvez, mas também pode ter sido só uma forma de ajudar a igreja em questão.
Pode-se ainda ver méritos artísticos na obra. O silêncio há tempos rende especulações. Bem antes do alternativo 433 (1952) de John Cage ele posicionado ao piano, erguendo lindamente as mãos e...nada, por 4 minutos e 33 segundos , o tcheco Erwin Schulhoff compôs uma peça silenciosa, "In Futurum", de 1919 (como lembrou o jornal The Guardian na cobertura do caso do CD de East Sussex).
Nas artes cênicas, as preciosas pausas também são motivo de investigação, como mostra esse texto de 2011 da performer e pesquisadora da Universidade Federal da Bahia Ciane Fernandes, Pausa, Presença, Público: "O texto discute a tendência à paragem ou pausa dinâmica na cena contemporânea como uma busca por sintonia somática, numa atitude de contracultura e transformação".
Aliás, Pausa Cia. é o nome de um grupo de teatro de Curitiba.
E lembrei que um amigo usava a hora de tirar o lixo para ficar sozinho. Aproveitava para caminhar até longe, no arzinho fresco da noite. Imaginei a cena: quando os sacos se acumulam, a empregada sugere levar ela mesma. A mulher não deixa. "Ele usa como motivo para dar uma volta", explica. A faxineira torce o nariz: "Pelo jeito, está esperando um bom motivo."
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