Começa a chover em Curitiba, apesar de a previsão do tempo ter anunciado noite de sábado com estrelas no céu, e Bernardo está em frente ao clube onde a banda gaúcha vai apresentar o novo repertório. Gabi permanece deitada em sua cama, em seu quarto, e escuta no aparelho de som a música "Dois Dias", do Mateus "Match" Duarte: "Ela achava que não ia dar em nada/ Olhava o telefone sem esperar./ Talvez a ligadinha por educação/ Talvez não."
Há um prédio, e isso é um fato. São sete andares, quatro apartamentos por andar. Bernardo pega um Marlboro e acende, apesar de ter pensado em parar de fumar. De mãos abanando é que ele não fica enquanto as portas do clube permanecem fechadas. Há outros sujeitos, de 20 a 30 anos, como ele, sozinhos, parados por ali, a olhar para o nada ou para aquele prédio, onde, em um dos apartamentos, Gabi escuta a canção do Matheus Duarte: "Ele sabia que não era só aquilo/ As mãos suando no celular/ Não acreditava em compromisso/ Mas precisava ligar".
Bernardo já está dentro do clube, não conhece ninguém, mas uma garota pisca o olho esquerdo para ele, outra olha e sorri. O show vai demorar mais de uma hora para ter início, e aquele salão estará cheio em alguns minutos Gabi ainda está dentro de seu quarto, no prédio de sete andares ao lado do clube, e pensa se vai, ou não, conferir o som da banda gaúcha enquanto escuta mais uma vez "Dois Dias": "Foi o vento que virou de vez/ Ou Deus que libertou o sol?/ Só sei que não dá mais pra querer ficar só."
A banda entra no palco depois da exibição de um videoclipe, e os quatro músicos estão vestidos com as mesmas roupas que usaram na gravação do clipe em Porto Alegre, mas esse detalhe não chamou a atenção de Bernardo. Ele estava de olho nas mulheres. Ali, todas eram desconhecidas para ele, que estava na fase de perambular do Wonka para o James, e voltar para casa sozinho. Gabi, a poucos passos de Bernardo, escutava pelos fones de ouvido de seu Ipod a canção de Matheus Duarte: "Ele resolveu ligar/ Ela ficou feliz em atender/ Os dois decidiram se encontrar/ Era como tinha de ser".
Gabi saiu do apartamento, e não estava a fim de flertar. Depois de cinco, seis, sete relacionamentos fracassados, queria mesmo deixar o coração desocupado. Estava cansada daquelas figuras que faziam pose de poeta, dramaturgo, cineasta, DJ, mediador de debate, quadrinista de barba ou músico. "Não aguento mais artistas sem arte", repetia. Ela riscou o circuito Trajano Reis-Vicente Machado de sua rota. O seu amor poderia até ter barriga, mas nada de tatuagem, sonhava com a banda gaúcha diante de seus olhos e com a cabeça ainda a ecoar a composição do "Match": "O beijo naquele lugar da TV/ Passeio de mão dada que nem casal/ Vontade de fato ser/ Pra sempre namorados".
Bernardo esbarrou em Gabi ou ele teria derramado cerveja em um dos sapatos dela? O fato é que hoje, na noite deste sábado, eles ainda não vão se conhecer. Daqui a um, dois, três anos, amigos em comum vão apresentar Gabi a Bernardo, muito prazer, e Bernardo a Gabi, o prazer é todo meu. Eles vão rir juntos, e então abraços, beijos, namoro e casamento. Em uma tarde de quarta-feira, vão lembrar que estavam naquele show da banda gaúcha em um clube de Curitiba. Bernardo vai perguntar, por que não nos conhecemos antes? Gabi não terá a resposta, e vai cantar "Dois Dias", do Matheus Duarte, "tudo era um flash", que será a canção dos dois pelo resto de seus dias e noites.
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