Todos temos medo do vazio. É aterrorizante a possibilidade de, ao chegar à reta final, percebermos que levamos uma vida em alicerces falsos, e nos sobrou muito pouco. A não ser, talvez, a certeza de que o tempo nos escorreu pelos dedos, sem que tivéssemos construído nada de mais sólido. E o que restou foram lembranças fugidias, desejos não realizados, e muitas palavras que deixaram de ser ditas, ou escritas.
Em A Grande Beleza, longa-metragem do italiano Paolo Sorrentino que venceu, no domingo passado, o Oscar de melhor filme estrangeiro, o ator Toni Servillo (estupendo) vive Jep Gambardella, uma pessoa assim. Jornalista badalado e promessa não cumprida de grande escritor, o personagem chega ao outono de sua existência imerso em frustrações. Persegue há anos a inspiração para um segundo livro, que nunca veio, depois de uma estreia incensada pela crítica, talvez precocemente.
Como ele mesmo admite, Jep é um mundano, dependente de sua vida ruidosa, povoada por alguns poucos amigos de verdade e muitos conhecidos, que entram e saem de cena, alimentando sua ilusão de prestígio, ostentação e lhe dão a sensação de ter algum poder, o que de fato tem, mas não faz dele um homem feliz, ou em paz consigo mesmo.
Jep vive em um belo apartamento no centro de Roma, a Cidade Eterna, com uma vista espetacular do Coliseu. No seu terraço, realiza festas dionisíacas, povoadas por belas mulheres, celebridades encomendadas, intelectuais verborrágicos, gente que faz número, mas, individualmente, de pouco ou nada valem para aliviar sua angústia. Até porque ele não é alheio à sua condição.
Há algum tempo, ainda que nada tenha feito para interromper sua rotina feérica, ele tem consciência de que caminha sobre o fio de uma navalha afiada, que pode lhe cortar a garganta a qualquer instante. E, embaixo dessa corda bamba, Jep enxerga apenas a vastidão do tempo perdido. Mas segue.
Só quando, no limiar do sono, olha o teto de seu quarto, consegue ver o mar muito azul, singrado por uma lancha solitária e esquecido nos escombros de sua juventude. É o cenário de um amor perdido, e irrecuperável a tal grande beleza que deixou escapar sem saber ao certo por quê.
Essa consciência lhe faz adotar uma atitude que não é exatamente de resignação, mas de confronto. Perde as papas na língua e, como uma metralhadora giratória, dispara em toda e qualquer direção. Desconstrói o discurso de uma amiga supostamente engajada, que vive a ilusão de ser politicamente combativa. Demole, em uma entrevista surreal, a pretensão performática de uma artista de vanguarda, cuja "obra", reverenciada pelos sedentos por modernidade, é tão frágil quanto a autoridade de Jep de discernir, àquela altura, o que é arte e o que é mistificação.
Embora dialogue com o cinema de Federico Fellini, e pareça, na superfície, ser uma releitura A Doce Vida, A Grande Beleza não é uma homenagem reverente e passiva.
Há diferenças fundamentais entre Jep Gambardella e o personagem de Marcello Mastroianni, o também mundano e célere Marcello Rubini. Ambos são jornalistas com aspirações literárias, mas, enquanto o protagonista de La Dolce Vita ainda se alimenta de alguma esperança para se colocar em movimento, em uma Itália que ressurge cheia de tentações sedutoras depois do trauma da Segunda Guerra Mundial, Jep, ainda que também cercado pela estonteante beleza de Roma, parece bem mais combalido, esvaziado. Talvez como Sorrentino enxerga hoje a capital italiana.
É verdade que Jep sofre com a morte do filho de uma amiga próxima, comove-se com a felicidade prosaica de um casal que acorda quando ele está indo dormir, mas, a cada amanhecer, parece morrer um pouco, porque seu tempo, bem sabe, é contado. E resta muito pouco a fazer a respeito.
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