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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Veja bem, tem muita coisa a ser dita sobre isso!

Sei lá, uma cidade é mais do que as pessoas querem ver, ou se permitem enxergar. Curitiba está mudando e há quem simplesmente não perceba. Ache, talvez, melhor ficar com a ideia congelada de 15, 25 anos atrás. O que é um desperdício de energia: não há nada mais clichê do que essa história fossilizada de autofagia. Papo que ouço desde os meus tempos de faculdade, lá na distante década de 80, ouso revelar.

Falando com amigos e colegas de profissão de São Paulo, Rio, Porto Alegre, Recife, descubro que, em certa medida, toda cidade – menor, maior ou metrópole – permite o surgimento de mitos em sua cena cultural: "Ah, é proibido fazer sucesso aqui", "A melhor saída é mesmo o aeroporto – ou a rodoviária", "Ninguém valoriza o que é local". Acho que há, sim, algumas meias-verdades em todos esses lamentos, mas não são quase certezas imutáveis, escritas em pedra para todo o sempre. Não é preciso muito esforço para identificar uma grande dose de comodismo por trás dessa postura reclamona, derrotista.

A carta da autofagia parece ser, nesses casos mais crônicos de autopiedade, uma desculpa para explicar o próprio fracasso (um conceito relativo que merece ser discutido mais a fundo), a indiferença – ou, simplesmente, para não tentar se impor com mais afinco, e mudar o rumo da prosa.

Intriga, disse-me-disse, dor de cotovelo e entraves de toda a ordem não têm geografia definida, não. São manifestações humanas, e ao mesmo tempo, temos de admitir, muito brasileiras. Mas não devem, obrigatoriamente, ditar as regras, moldar a identidade de alguém, muito menos de uma cidade. Estão por aí, sem dúvida, contudo não chegam a ser privilégios nossos.

A tão apregoada invisibilidade de quem faz cultura e arte sob a sombra das araucárias, afinal, não é destino. Mas pode ser uma escolha.

Então, acabo me sentindo na obrigação de engatar a ré e bater na mesma tecla. Curitiba não é mais a mesma! Insisto porque acredito nisso. Ou vice-versa.

Vivemos hoje em uma cidade mais plural, com muito mais sotaques e criadores, de várias áreas e gerações. Muitos deles estão movimentando suas respectivas cenas, somando, ouvindo os sons ao redor e tocando a vida. E, diante dessa constatação, acho digno que façamos o esforço de arrancar as viseiras e olhar para os lados. Espelhos (leia-se, aqui, os outros) são essenciais para nos darmos conta de nossas dimensões mutantes, sejam elas quais forem. Até para nos compreendermos melhor e abalarmos algumas certezas empedernidas.

E, hoje, esses espelhos estão por todos lados – muitos deles, ultimamente, nos espaços públicos – e assumem várias formas e tamanhos, nos permitindo divisar, em minúcias, os nossos rostos. Também as inevitáveis máscaras que, por vezes, somos forçados (ou pelas quais optamos) vestir. Se olharmos com atenção, nos veremos de corpo inteiro, e essa experiência pode ser libertadora.

Mas, daí, tem sempre mais um louco da aldeia, o desgostoso da vida que vara as noites a gritar para a Lua que aqui nada presta, ou muda. Tudo é medíocre e nada dá certo e quando dá, ninguém reconhece – é inconsistente, pretensioso, sem personalidade, vazio, ingênuo, autorreferente, vaidoso, bobo...

E, como já conheço essa ladainha de trás para frente, é mais jogo seguir em frente. Há tanto para ver, afinal! Basta querer.

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