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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Ouvia o pulsar descompassado de seu coração, mas sentia no corpo uma dormência estranha: talvez tivesse vontade de ficar. Não podia. Sentou-se na cama, deixando parte de seu rosto ser iluminado pela luz tímida que penetrava através das cortinas do quarto, entreabertas.

Tateou a mesa de cabeceira em busca de um lenço de papel, para enxugar a testa molhada de suor. Encontrou um copo vazio, cheio daquele ar que respirara nos últimos dias. Tinha de ir embora antes que não mais se pertencesse.

Ele dormia profundamente. Ouvia sua respiração quente, o ressonar. Seus corpos quase se tocavam na semiescuridão. Quis passar a mão em seus cabelos, mas não teve coragem. Se o acordasse, estaria perdida. Não teria forças para deixá-lo.

Levantou-se, sentiu-se tonta por um instante, e se segurou na parede, anteparo de sombras projetadas pelo poste da rua. Sem querer, esbarrou com a própria imagem no espelho da penteadeira – por causa da ausência de luz, não conseguia se enxergar muito bem. Olhou fixamente, contudo era impossível distinguir-se na quase penumbra. Então, dirigiu-se à porta, trancada há dois dias. Ao tocar a maçaneta, tentou, em vão, puxá-la para baixo. Não cedia.

Voltou-se para a cama. O suor escorria pelo seu rosto. O gosto salgado umedecia seus lábios, que entreabertos inspiravam e expiravam o que havia acontecido ali. Parada, de pé, sem saber aonde ir, foi invadida por uma vontade louca de gritar por socorro, para que alguém viesse e a tirasse dali.

O silêncio absoluto da noite não a permitia que fugisse de seus pensamentos, que a cada segundo se multiplicavam e a empurravam para o canto do cômodo, onde ele havia deixado, metodicamente, os sapatos. Ali ficou algum tempo, a inventar fugas inacreditáveis. Imaginou que se esticasse o corpo contra o chão, conseguiria passar por baixo da porta. Viu-se pulando a janela, para flutuar como uma folha seca que cai de uma árvore até o chão.

No quarto havia apenas uma cama, duas mesas de cabeceira, a penteadeira e um guarda-roupa cuja porta insistia em não fechar. No chão, as roupas dele e dela misturadas, se confundindo, impregnavam tudo com um odor de intimidade. O corpo sobre a cama, alheio a tudo, desafiava seu desespero. Por que não ficar? A ideia de se deitar de novo ao seu lado, encostar-se mansamente a ele, deixar-se invadir por aquele torpor viciante, não era, afinal, tão ruim assim.

Por dois dias estivera imersa naquele quarto, descobrindo as urgências do seu corpo, desatando os nós que a prendiam à realidade, a si mesma. O dia e a noite se sucederam sem que percebesse, e algo a tornara vulnerável sem que soubesse exatamente o quê. O gosto de sua saliva não era mais o mesmo; sua pele emanava o cheiro dele. Isso lhe era insuportável – estava se diluindo ao compasso dos minutos.

Sentia o sono lentamente apoderar-se dos sentidos. Tentava combatê-lo, mantendo os olhos abertos, fitando o fiapo de luz que entrava furtivamente. Até ouvir um carro aproximando-se, o primeiro em muito tempo. Foi, pé ante pé, com todo o cuidado para não acordá-lo, à janela. Os faróis iluminavam o asfalto úmido pela garoa quente da madrugada. A rua estava deserta, apenas um cachorro revirava os latões de lixo do outro lado da rua. O carro distanciou-se, deixando um rastro de fumaça, que logo se desmanchou no ar.

Olhou a cama. Ele, de repente, lhe pareceu tão indefeso, inerte abraçado ao travesseiro. Restou-lhe cair no chão ao seu lado. O medo confundia-se com uma ternura infinita. Quase tocou seu rosto com as pontas dos dedos, mas permaneceu ali, imóvel, até adormecer.

Quando despertou, era dia e ele havia partido. Sem se despedir.

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