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 | Daniel Castellano / Gazeta do Povo
| Foto: Daniel Castellano / Gazeta do Povo

Uma voz surge toda vez que ouço A Flauta Mágica, de Mozart, e escuto essa ópera quase todos os dias. "O momento mais difícil da semana é a transição da sexta para o sábado", repete, melodicamente, uma mulher que não sei quem é nem onde está. "Para gente como a gente, que trabalha de segunda à sexta, a passagem para o sábado é barra-pesada", continua a mesma voz.

Tenho de concordar com essa voz, que não sei de quem é. Viajar de sexta-feira em direção ao sábado não é fácil, por mais que seja o fim de cinco dias de trabalho rumo a 48 horas de descanso. "Não é à toa que tanta gente bebe na sexta-feira", diz, agora, uma outra voz, desta vez, masculina. E preciso dizer que também sou representado por esse ponto de vista.

Um amigo me conta que bate em um saco de areia na noite de sexta-feira para relaxar da semana. Uma vizinha nem precisou me dizer, eu vi: ela corre de um cômodo para o outro, até cansar. Lembro de um colega de trabalho que passava aspirador em quase toda a casa; outro dançava. Muitos, de fato, se embriagam. Eu não durmo.

"O quê?", pergunta uma voz desconhecida.

Isso mesmo. Não consigo dormir de sexta para sábado. Atravesso a madrugada de olhos abertos, do quarto para a sala, olho o meu filho Vitor, hoje com 2 anos e 5 meses, dormindo. Às 6 horas, ele estará chamando papai, mas, até lá, sigo quieto.

Mesmo e apesar do movimento de quem vai para a balada, e volta, dos que disputam corrida com os seus carros pelas ruas, e daqueles que atiram com revólver nas placas de sinalização, além de outros gritos, há momentos de silêncio entre a meia-noite e os primeiros raios de sol. Durante esses intervalos, é a cidade de Curitiba que faz eco em meu juízo.

"Curitiba é a cidade da autofagia", disseram alguns, outros repetiram e ainda há quem insista em enunciar o mesmo discurso. "Aqui, um destrói o outro. Ninguém valoriza o trabalho e a arte do seu semelhante", completam outras vozes que circulam entre porões e cafés.

Escute. É o Klezmorin que toca agora, ouviu? Eles devem estar no Café Parangolé. Ou já terminaram o show? Esse grupo curitibano, que mistura sonoridades de pontos variados do mundo, nem divulga mais as apresentações. Porque eles lotam as casas por onde passam. O Klezmorin faz sucesso em Curitiba, e os curitibanos elogiam, batem palmas, rasgam a fantasia, requebram as cadeiras e até escrevem no jornal falando bem, continuadamente bem da banda, sabia?

O Klezmorin prova que não há autofagia em Curitiba. "Falar em autofagia é uma desculpa para justificar a falta de qualidade de um projeto. Quando a proposta é boa, como o Klemorin, não há ‘autofagia’ que atrapalhe." Quem faz a afirmação é a minha voz, e há outras palavras para serem ditas e escritas ainda.

O octeto, que agora se chama Klezmorin-CWB, porque começa a ganhar o Brasil e o mundo, e quer levar o nome da cidade junto com o seu repertório, é apenas um dos exemplos de manifestações relevantes que acontecem em Curitiba.

O dia amanhece, os ponteiros seguem, o domingo logo logo se vai, depois chega o melhor dia da semana, a segunda-feira e, então, terça, dia 29 de março de 2011, quando Curitiba comemora 318 anos respirando ares cosmopolitas, polifônica, a sambar – e aquela imagem de timidez conservadora e pacata é apenas um retrato branco e preto desbotado.

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