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Formas teatrais simultaneamente inventadas, paralelas e complementares, tanto a tragédia quanto a comédia provocam no espectador o sentimento da catarse, embora a leitura incompleta e provavelmente fragmentária de Aristóteles haja feito unicamente da primeira um sinal distintivo (e exclusivo). Os espectadores sempre riram e se aterrorizaram pelos mesmos motivos, encontrando no espetáculo a lição implícita que contém. Apesar disso, a comédia sempre foi considerada uma espécie inferior, ao lado da poesia lírica, na hierarquia dos gêneros, fenômeno a que Boileau, o "legislador do Parnaso", deu a formulação clássica (nos dois sentidos da palavra), distinguindo, de um lado, a "comédia antiga" e, de outro, a comédia que "aprendeu a rir sem azedume".

Contudo, já no seu tempo, Molière escrevia com a mesma pena a comédia moralizante e punitiva e a que, igualando-se sem vergonha a Terêncio, aliado a Tabarin, na comédia vulgar (também nos dois sentidos da palavra), de forma que, "no saco ridículo em que Scapin se enrolava", já não era possível reconhecer o autor do Misantropo. A questão renasce a cada oportunidade, e renasceu no Brasil a propósito de Artur Azevedo (1855-1908), em todas as biografias e histórias literárias, com a exceção, talvez única, onde obviamente devia estar, o livro de R. Magalhães Júnior, Artur Azevedo e Sua Época (1953), e renasce mais uma vez no volume de homenagem organizado por Orna Messes Levin e Larissa de Oliveira Neves (Teatro,Literatura e Imprensa na Virada do Século, na revista Remate de Males 28/1. Campinas: UNICAMP, 2008).

Sabe-se do que se trata: "em mais de uma ocasião, intelectuais e pensadores investiram contra o autor, acusando-o de contribuir para a morte do teatro brasileiro. [...] ... Cardoso da Mota, ex-ator, retirado do Rio, investiu contra o dramaturgo, imputando-lhe, mais uma vez, a pecha de ter sido o autor da ruína do teatro brasileiro por ter assinado paródias que, a seu ver, foram armas letais contra o bom teatro". De fato, observa Walter Lima Torres Neto neste volume, "Artur Azevedo deixou de viver a contradição entre a necessidade de escrever para um teatro comercial e o anseio de ver em seu país um teatro institucionalizado, onde se poderia encenar, sem a preocupação com a bilheteria, um teatro mais experimental, na linha do naturalismo, por exemplo". O curioso, acrescenta Tânia Brandão, "é que o próprio dramaturgo estava preso a este conceito mais tradicional de teatro, o conceito em que ele se formou".

Dentre essas concepções, "destacam-se em particular: a defesa da hierarquização dos gêneros; a consequente classificação da comédia como gênero bastardo, menor, submetido, o próprio gênero, no seu interior, a uma hierarquia de classificação das formas da comédia; a defesa do teatro como instrumento de civilização e de elevação dos costumes; a concepção de que qualquer alusão aos instintos, ao corpo e à sexualidade é prática abjeta; a percepção da sociedade sob uma ótica estamental [...]". A resposta de Artur Azevedo é conhecida, dizendo em substância: "1º) que não fora o iniciador, entre nós, nem do teatro de opereta, nem das paródias musicais: 2º) que o público aplaudia e consagrou as suas produções no gênero, permitindo-lhe embolsar ‘alguns contos de réis que nenhum mal fizeram nem a mim nem a Arte’. 3º) que todas as suas tentativas de teatro ‘sério’ tinham encontrado, ao contrário, fria recepção". E concluía: "Em resumo, todas as vezes que tentei fazer teatro sério, em paga só recebi censuras, apodos, injustiças e tudo isto a seco; ao passo que, enveredando pela bombochata, não me faltaram nunca elogios, aplausos e proventos".

A ouvi-lo, o "público" recusava-se obstinadamente a apoiá-lo nas tentativas de criar o "verdadeiro teatro". Trata-se, bem entendido, da racionalização de uma carência: espírito organicamente satírico, não tinha o talento dramático, o instinto da tragédia. Nas palavras de Larissa de Oliveira Neves, foi "um dos melhores e mais originais" dos nossos teatrólogos, lido com evidentes preconceitos teóricos por críticos eminentes com horror da vulgaridade e do baixo cômico (refiro-me, em nossos dias, a Décio de Almeida Prado e Alfredo Mesquita, em cuja esfera de influência formou-se Sábato Magaldi).

E, contudo, uns e outros defendiam e defendem o mesmo "programa": a institucionalização do teatro, o fortalecimento da dramaturgia nacional, o incentivo à formação de atores, em suma, a criação da "comédia brasileira", como os franceses deram ao seu teatro oficial, emblematicamente, o nome de Comédie Française.

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