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Com Zero, em 1975, Ignácio de Loyola Brandão escreveu o grande romance urbano brasileiro dos nossos dias, posteriormente imitado por alguns outros que se tornaram famosos (por quinze dias) justamente por havê-lo imitado e sem que o jornalismo cultural desse pela imitação. Ele havia estreado sete anos antes (Bebel Que a Cidade Comeu), além dos contos de Depois do Sol. A vida moderna, no sentido por assim dizer ideológico da palavra, propôs a Ignácio de Loyola Brandão uma temática privilegiada.

Na literatura e na vida real, a "vida moderna" inclui segmentos existenciais que vão das lutas de boxe às manifestações políticas, do jornalismo aos meios do rádio e da televisão, restaurantes e bares, o mundo teatral e o das artes, as figuras emblemáticas da noite, os jovens esperançosos e ingênuos que vieram do interior para a fascinante aventura cosmopolita: "Ana Maria vê a locomotiva a vapor fazer a manobra, puxar a elétrica, colocá-la no desvio e engatar-se à frente do trem. Sentou-se no banco de palhinha [...] e, súbito, ela começou a ficar contente. Ia chegando, segundo a segundo mais perto. Dentro em pouco seria tudo diferente e com o mundo enorme em volta".

Esse mundo enorme incluía o mundo minúsculo do teatro com as suas pequenas realidades. Convencida pela amiga Marília, deixou-se apresentar ao diretor Arnaldo, que a colocou numa peça, a mesma Marília que a aproximou de Thomas, mas com uma advertência: "Não vai na conversa dele não! É repórter e quer papar tudo que é mulher de teatro". O resto estava previsto: "A partir daí descobriu duas coisas: fazer teatro e conhecer pessoas. [...] Thomas cuidava de colocá-la em jornais e revistas. Em seis meses todo mundo a conhecia", abrindo caminho para vida de misérias e de miséria, lugar comum dessas histórias ("Túmulo de vidro". Pega Ele, Silêncio (1968). São Paulo: Global, 2008).

Silêncio era o apelido de Zé Luís, operário metalúrgico que abandona o emprego na General Motors para tentar a carreira de boxeador profissional: "Zé Luís falava tão pouco quanto a mãe. Menos que o pai – sempre silencioso. Depois que ele começara a lutar o pai ficara mais carrancudo ainda". A parte interessante do conto é a descrição da luta, disposta na página em duas colunas, a da esquerda acompanhando os lances e a da direita com as manifestações selvagens do público incentivando os lutadores: "Gritam por mim", pensa ele: "Começou a dar em cima. Dar embaixo. Não via onde batia. [...] Com velocidade [o adversário] se retesou e mandou um cruzado ao queixo de Silêncio. Ele sentia-se no ar. Caiu e recebeu uma pancada seca atrás da cabeça. [...] Percebeu que estava deitado e não podia mover um músculo".

Se no conto "Cabeças de segunda-feira" (no livro homônimo) o autor abusou das inverossimilhanças, há, contudo, nessa coletânea a história da respeitável mãe de família que, sofrendo de incoercível coprografia, escreve cartas obscenas a si mesma: "Adoro as segundas, quartas e sextas, ninguém em casa, nunca sei onde estão as crianças nem me interessa. Porque assim me deito na cama (adolescente, escrevia o meu diário deitada) e posso escrever outra carta para mim mesma. Colocando amanhã, ela me será entregue segunda. O carteiro das cinco traz. Começarei a ficar ansiosa da manhã, esperando o momento de ele chegar e imaginando o que vai ser de minha vida se parar de receber essas cartas".

O tema das perversões eróticas, ao contrário do que convencionalmente se acredita, não é produto específico da grande cidade moderna, temática que Ignácio de Loyola Brandão retoma no conto "Anúncios eróticos" (Cabeças de Segunda-feira, reeditado em 2008). Trata-se de "classificados", mito comuns nos jornais, atraindo a atenção do protagonista: "Assim achei o primeiro anúncio, num jornal do bairro. [...] Li e reli até chegar à certeza de que havia um casal querendo se encontrar com outro casal, 'avançadinho'. Quando li a palavra 'avançadinho' fiquei excitado. Queria responder ao anúncio", encontrando dezenas de outros: "Tenho 21 anos, sou bonita e sexy, quero trocar experiências com senhores maduros, casados" [...].

Era também o tempo das grandes marchas com Deus, pela família e pela liberdade: "Todos, ou quase todos, nessa tarde tinham seus rádios ligados e ouviam a rede da democracia e seus corações [...] seguiam atentos o tom solene, histérico ou cínico dos locutores que as rádios e televisões tinham colocado para ler os noticiários" ("Camila numa Semana", Pega Ele, Silêncio), tudo ligado ao universo que os mais excitados já estavam chamando de pré-revolucionário.

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