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O ambiente ficcional de Miguel Sanches Neto é a pequena cidade do interior vivendo em simbiose com o meio rural, rememorado pelo personagem narrador num misto de nostalgia e ressentimento: "A casa de madeira sem forro nem cerca ficava numa região de bares de prostitutas em Peabiru. A mãe, viúva ainda jovem, costurava para as putas, garantindo assim o sustento da casa. É deste período que tem as primeiras recordações de um corpo de mulher. As freguesas provavam as roupas na sua frente – e era um deslumbramento ver seios, coxas, nesgas de sexo livremente exibidas com a naturalidade de quem já se despira infinitas vezes para estranhos. Depois, quando começou a frequentar a catequese, veio a culpa. Sentia-se imundo pela proximidade com a luxúria. Ele vivia como se estivesse coberto por uma sujeira encalacrada [...]". (Primeiros Contos. Curitiba: Arte e Letras, 2008).

Apesar das aparências, era uma pobreza honesta, vivendo do trabalho e das canseiras cotidianas, enfrentando com bravura silenciosa e até espírito de humor a ameaça permanente da adversidade: "Tentando mentir para a miséria, o pai nos deu nomes de leite em pó que jamais chegamos a tomar. Eu me chamo Nestogeno e meus irmãos, Ninho e Pelargon. A comida que nos criou estava bem longe de nossos nomes – virado de banana, feijão, um ou outro pedacinho de carne e o que dava no quintal". Há, também, momentos em que a nostalgia da infância se transforma em ressentimento e amargura: as roupas do filho eram completadas "com retalhos dos tecidos que as prostitutas traziam para a mãe. Muitas, vendo a situação da família, compravam fazendas maiores, e sobrava pano para uma camisa ou uma calça. Estas eram as roupas de sair, feitas com uma única estampa. As de usar em casa exibiam um colorido excessivo por nascerem de muitos aproveitamentos. Assim, um calção era metade vermelho e metade verde. E o bolso de trás seria de outra cor. Na época, não se incomodava de vestir aquelas fantasias pobres, porque não sabia o que era a pobreza, a mãe e a avó nunca se lamentavam. Mas sentia vergonha de se vestir com os restos das putas".

Bem diversos são os contos de Eric Nepomuceno (Antologia Pessoal (1973 – 2008). Rio: Record, 2008), dentre os quais há diversas obra-primas: o tom geral é a melancolia dos amores perdidos, transitórios, despertados ao acaso de encontros fortuitos e que se desfazem rotineiramente, sem lances dramáticos nem remorsos. Os heróis (ou o herói) são figuras solitárias, sem residência fixa, nem família: seu lar são os sucessivos quartos de hotel, em cidades diferentes, nas quais pode encontrar, ou não, por acaso, algum amor perdido. São "coisas do mundo", para nos apropriarmos o título de um deles: "Com o tempo e o costume, aprendi a preferir viagens diurnas e cidades que tenham o aeroporto afastado, e onde é necessário atravessar campos para chegar ao centro, ou então cidades que tenham o aeroporto à beira-mar, e uma brisa iluminada acompanhe o viajante".

Os hotéis são os seus lares míticos, ligados entre eles, e na sua vida, pelas etapas ocasionais. Esse permanente recomeçar transforma-se em tediosa rotina, sem espírito de liberdade e aventura: "Com o tempo e o costume, aprendi a detestar aeroportos, mesmo os que antes eram meus favoritos". Mas, espere: há também o acaso das "coisas da vida": "Estamos no meio de um desses corredores quando o nosso voo é anunciado [...] já percorremos uma distância parecida à extensão da Muralha da China e ainda falta outro tanto até à entrada G-3 que nos levará ao nosso avião [...]".

Quem não passou por isso? – mas poucos serão tão telizes ao ponto de encontrar uma moça belíssima, conhecida da longa data, com quem marcar desde logo, na aflição do embarque, um encontro no hotel em que se vai hospedar. O herói solitário e sem raízes não encontra dificuldades para interromper a solidão (sobretudo sentimental), sem por isso criá-las em nenhum momento. "Em que ponto a coisa tinha quebrado? O que fazia ele ali? O que viera ver? Quem viera ver? Estaria tudo quebrado a partir da memória, ou estaria a memória também enfeitiçada? Onde a coisa se quebrara, algum rosto, alguma ausência?". Nesse conjunto, Eric Nepomuceno escreveu a obra-prima do gênero (entre outras) que é "As Três Estações": "Aquele foi um verão diferente, único. Um verão que começou antes da hora e que desde o princípio deixou estabelecido que se estenderia pelo tempo, atropelando calendários, previsões e memórias". É um conto "de atmosfera", na grande tradição do gênero: "o verão prosseguia assim", a caminho do fim inelutável, à espera do momento em que o personagem se vê de novo na solidão e na melancolia por assim dizer estoica.

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