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Pode-se perguntar, sem nenhuma intenção depreciativa, se Edgard Roquette-Pinto (1884-1954) não foi maior que sua obra, mesmo considerando a extraordinária importância desta última na história intelectual do Brasil, De fato, sua produção científica "foi variada e extensa, mas apenas Rondônia aparece como um livro no sentido pleno. Seus outros livros publicados caracterizam-se como coletânea de conferência e trabalhos apresentados na imprensa, mas devem também ser apontados como fundamentais para a compreensão sobre suas idéias sobre temas como raça, pensamento brasileiro, ciência no Brasil, educação, além do livro Ensaios Brasilianos, de 1941, dedicado a vários cientistas brasileiros e estrangeiros que contribuiram para o desenvolvimento da ciência no Brasil", além de numerosos outros trabalhos esparsos e ocasionais (Nício Trindade Lima/Dominich Miranda de Sá, orgs. Antropologia Brasiliana: Ciência e Educação na Obra de Edgard Roquette-Pinto. Belo Horizonte/ Rio de Janeiro: UFMG/Editora Fiocruz, 2008).

Claro, acentuou Álvaro Lins ao substituí-lo na Academia Brasileira de Letras, ele "pertence aos quadros da Literatura, como sabemos que pertence aos da Ciência – questão fundamental esta, não só para a avaliação do conjunto estrutural da personalidade e da obra, mas também como operação de esclarecimento prévio, sem o que poderíamos mergulhar [...] num equívoco de humor involuntário". Questão fundamental, com certeza, mas a ser considerado juntamente com outra, não menos imperativa: o momento da fervoroso racionalismo de pensamento em que viveu e lhe condicionou o espirito: "Se o homem de ciência Roquette-Pinto pertence aos quadros da Literatura – e é evidente que sim – isto se deve exclusivamente ao estilo de arte literária com que ele exprimiu e revelou a tão variada temática das suas obras. Não é nos contos, nem pelos versos, que se encontra Roquette-Pinto na bem-aventurança do Reino das Letras [...] mas graças à forma de ex-pressão, ao estilo literário, ao ritmo do seu mundo interior, quando exteriorizado para ordenar esteticamente a temática do cientista e as ideias positivas do pensador. Está nos quadros da Literatura, e não apenas nos da Ciência, pela frase vibrátil e composição esteticamente bem proporcionada de tantos capítulos de Seixos Rolados, Ensaios Brasilianos, e, entre as obras menores, a sua Conceito Atual da Vida (1920), o guia das coleções do Museu Nacional sob o título Antropologia (1915), as conferências sobre Goethe (1932), Leopardi (1942) e Saint-Hilaire (1953). [...] Está nos quadros da Literatura principalmente pela forte construção estrutural de Rondônia (1916), em que se alternam as páginas de seca objetividade do cientista e as páginas de emotividade do artista traçadas com beleza formal".

A questão é interessante por envolver problemas mais largos da história intelectual, não apenas de ordem biográfica. De fato, ele está na complexa confluência histórica em que o nacionalismo e o regionalismo se confundem na preparação obscura, mas irreversível, do Modernismo. Era um nacionalista, conforme declarou mais de uma vez, respondendo ao contexto ideológico do momento, e também às camadas profundas de sua inteligência, nomeadamente no discurso de posse no Instituto Histórico: "quem vos fala não é, nem há de ser um nacionalista extremado". Muitos havia àquela altura, quando Alberto Torres era o grande mestre de pensamento da direita, à espera da conjuntura que o transformaria em mestre de pensamento da esquerda: "Ninguém, no Brasil de hoje, pensou com mais clareza e mais profundamente, sobre os nossos grandes problemas", dizia ele, incluindo-se no mundo doutrinário desses dias, de onde surgiria o "idealismo" das revoltas militares, culmindo, é óbvio, na revolta regeneradora de 1930, tento em Oliveira Viana, sem esquecer Plínio Salgado, os doutrinários complementares. A bibliografia "nacionalista" tornou-se incontável, tudo se coagulando por volta de 1916 (data de Rôndonia, lembremos mais uma vez), como sugeri em A ideia Modernista – são essas as nascentes dos sete dias que abalaram a literatura.

Rondônia já um livro modernista sem sabê-lo e sem que o hajam notado muitos historiadores. O artigo com esse título, destinado a tornar-se célebre no ano seguinte, saiu na Revista do Brasil, órgão programaticamente nacionalista, conforme declarava na apresentação. Não é para surpreender que essa viagem filosófica tenha se tornado um clássico do Modernismo, quase sempre esquecido quando se fala nas suas fontes eruditas. Trata-se de uma constelação em que tudo se responde e corresponde: Oliveira Viana, Pontes de Miranda, Licínio Cardoso, Tristão de Athayde, Jackson de Figueiredo "e outros de igual merecimento", além, claro está, de Euclides da Cunha, mestre dos mestres e nome sagrado.

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