Em 1905, quando João do Rio começou a publicar na Gazeta de Notícias a série de entrevistas de O momento literário, reunidas em volume três anos depois (Curitiba: Criar, 2006), os nomes representativos da literatura iam de Sílvio Romero na crítica (em companhia de Nestor Vítor e outros menores, sem falar em José Veríssimo, que se recusou a depor), a Coelho Neto (ao lado de Júlia Lopes de Almeida e outros, notadamente Curvelo de Mendonça e Fábio Luz na estante do romance socialista). Em poesia, gravitando no sistema solar de Olavo Bilac, contavam-se Guimarães Passos, Mário Pederneiras e Raimundo Correia, ou seja, a geração que vinha do Realismo em face do grupo minoritário dos simbolistas, com seus goivos e orquídeas doentias, germinando nos canteiros helênicos do Parnaso.
Era preciso indagar a todos, diz na introdução o interlocutor imaginário de João do Rio parnasianos, líricos, decadentes, clássicos, naturalistas, sociólogos, ocultistas, anarquistas, impassíveis, humoristas, simbolistas, nefelibatas... Perdoadas as redundâncias, vê-se que a fauna era mais variada do que poderíamos imaginar. Segundo Gustavo Santiago, nefelibata então célebre, hoje esquecido, havia, de um lado, o parnasianismo, "que, agonizante, a debater-se nas vascas da morte, tenta por todas as formas resistir, apegando-se até à tábua de salvação de toda as inteligências extintas do classicismo; há de outro lado, o que, de maneira geral, se convencionou denominar no Brasil e em Portugal nefelibatismo, o que tão desastradamente tem sido interpretado e conhecido entre nós". Salvo engano, ele é o único a mencionar Cruz e Sousa, de forma aliás ambígua: "É verdade que existem por aí uns irrequietos discípulos de Cruz e Sousa, que de quando em quando, borbulham a insultar, a injuriar, crendo assim honrar a memória do mestre".
A essa altura, enquanto o Simbolismo lutava por afirmar-se, o Parnasianismo lutava por sobreviver, empresa, neste último caso, tanto mais desesperada quanto a perfeição incomparável de Olavo Bilac desqualificava por definição a existência dos imitadores. O primeiro interesse destes depoimentos está em evidenciar que as perspectivas de avaliação mudam de época para época, no que não raro João do Rio se antecipava ao futuro, em vários torneios de frase e na ironia com que se refere certos entrevistados. Alguns deles aproveitam a oportunidade para rancorosos ajustes de contas, como Frota Pessoa, discípulo truculento de Sílvio Romero e, como ele, praticante da crítica de tacape. Eis o que dizia sobre a Academia Brasileira de Letras: "um mito evocativo da Academia dos Seletos... considere o meu douto amigo, nunca passou tal a melancolia destes tempos de uma sociedade funerária, com o exclusivo escopo de prantear os defuntos imortais e de receber novos imortais candidatos à vida eterna".
O que só se compara com a irreverência do célebre Pe. Severiano de Rezende, que, diz o anedotário, teria declarado que, se a sua batina fosse de bronze, seria possível ouvir as badaladas cada vez que passasse uma mulher bonita... O mesmo que, aludindo à vida literária de São Paulo (no seu entender, superior à do Rio), mencionava entre os grandes o cronista Adolfo Araújo, enquanto Wenceslau de Queiroz inspirava-lhe estas palavras: "superabominável, pretensioso e orgulhoso, este detestável escriba é capaz de matar a quem disser que os seus versos são maus". De qualquer maneira, é um nome hoje esquecido.
Nem Rui Barbosa escapava: "Os representantes da prosa, entre nós, quais são? Eis o nome de Rui Barbosa. É um escritor que se deixou hipnotizar pela mole arqueológica dos bons clássicos que a gente desinfeta antes de manusear, para que o arcaico não venha agitar, no nosso estilo, os seus lenços de alcobaça. Rui Barbosa agora não passa de um Cuvier das letras, não é um renovador de formas, é um escavador de fórmulas". O que era dito e publicado quando o grande tribuno estava no fastígio da glória e da popularidade. O padre era implacável, ressalvando, entretanto, o escritor que, na prosa e com outro estilo, contrabalançava Rui Barbosa: "Há Machado de Assis...".
O Machado de Assis que, com a malícia habitual, evitou colaborar no inquérito, sem realmente negar-se a fazê-lo. É uma pequena comédia machadiana, descrita por João do Rio com bom humor e espírito: "Quando fui pessoalmente levar-lhe o inquérito, o admirável escritor recebeu-me com um acesso [sic, por "excesso", creio eu] de gentileza... Um inquérito? Pois não: às suas ordens, com todo o gosto". Diante de sucessivas evasivas, João do Rio decidiu-se pelo assédio indireto, cultivando a "relação preciosa em bocados de palestra, ouvidos nos balcões do Garnier [...]".
O livro apareceu em 1908, coincidindo com o falecimento de Machado de Assis, que talvez tivesse outros motivos para não associar o seu nome ao de João do Rio... Os tempo eram outros: essa recusa, como a do severo José Veríssimo, teriam resultado do desejo de não avalisar, nem mesmo indiretamente, uma personalidade então polêmica. É outro episódio em que a proximidade e a convivência terão viciado as justas perspectivas de encará-lo, o que só em nossos dias está sendo corrigido.
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